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Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
Sabe-se
que no início do Século XVI, a Igreja precisava de muito dinheiro para a
conclusão da Basílica de São Pedro. O então Papa Leão X assinou um
documento que prescrevia a venda de Indulgências, que seriam a suprema
“garantia” da absolvição dos pecados passados, presentes e futuros e
dariam “segurança” eterna àqueles que queriam alcançar o céu. Até mesmo
aqueles que já haviam morrido podiam receber a absolvição de seus
pecados, através das indulgências compradas pelos seus parentes ainda
vivos.
A
ideia era simples: ao mesmo tempo em que as Indulgências garantiam o
perdão dos pecados e um lote no céu a quem as adquirisse, ajudariam a
encher os cofres da Igreja. Os clérigos bradavam dos altares das
igrejas: “Ao tilintarem as moedas no fundo da sacola, automaticamente os
vossos pecados e ofensas serão perdoados, e até mesmo as almas dos
vossos parentes que estão no purgatório serão levadas ao paraíso!”.
Tudo
parecia ir muito bem, até que um obscuro monge chamado Martinho Lutero
se insurgiu contra essa prática e conclamou a Igreja a voltar à
obediência da Palavra de Deus e retornar às doutrinas e práticas cristãs
primitivas, afixando as 95 Teses na porta da Catedral de Wittemberg, na
Alemanha, em 31 de outubro de 1517. Esse evento desencadeou a Reforma
Protestante. Aqueles que se juntaram a Lutero e se opuseram aos dogmas
da Igreja foram historicamente reconhecidos como “Protestantes”.
Não
pretendo aqui polemizar com os cristãos católicos, a quem respeito e
amo no amor de Jesus. Mas gostaria de considerar, com a ênfase que o
caso requer, que a Reforma só aconteceu porque a Igreja estava
moralmente em decadência, pois distanciara-se muito do evangelho. A
Igreja preocupava-se mais com as questões políticas e econômicas do que
com os assuntos espirituais; ao buscar aumentar ainda mais suas
riquezas, vendia indulgências, cargos eclesiásticos e relíquias, tudo
como forma dos fiéis adquirirem bênçãos. E isso estava errado, e os
próprios católicos reconhecem.
Passados
quase quinhentos anos da Reforma Protestante, penso que não seria
precipitado afirmar que, em muitos aspectos, precisamos reformar a
Reforma, como filhos e herdeiros da mesma. Basta olhar a situação de não
poucas igrejas ditas evangélicas. Em muitos aspectos, não estamos muito
longe da decadência moral que pode preceder uma verdadeira reforma. É
bom lembrar que algo precisa
de reforma quando se deteriorou, ou tomou curso errado, ou se deformou.
Assim, reformar é formar de novo, reconstruir, corrigir, retificar,
restaurar. Em suma, reformar é fazer um “movimento para trás”, é levar
algo à sua situação original. Então, meditemos sobre isto.
Os
evangélicos não vendem Indulgências, mas muitos continuam proliferando
ensinamentos que enganam os crentes com a promessa da salvação em troca
de dinheiro e bens materiais. Não temos um papa, temos vários papas;
cada denominação tem o seu. Muitos pastores vivem como se fossem
“papazinhos” nos seus tronos de “infalibilidade”, ou melhor, há sempre
um “reizinho” para cada feudo eclesial.
Também
não temos santos e imagens, mas muitos tratam a Bíblia (ou partes dela)
como “amuleto”. Não temos catecismo, mas temos uma “cartilha” de usos e
costumes. Não há missa, mas temos cultos liturgicamente engessados. Não
há paramentos sacerdotais, mas temos paletó e gravata. Não há reza, mas
temos orações repetitivas. Não pagamos promessa, mas damos culto de
ações de graça como se fosse. Não há penitência, mas temos algumas
“simpatias” e “campanhas”, que muitos usam como forma de barganhar com
Deus. Muitos evangélicos, como os católicos, pensam que a salvação só é
conseguida na “sua” igreja.
Desse
modo, não são essas mesmas coisas que indicam a nossa real necessidade
de reforma? Pensemos, portanto, em quatro princípios fundamentais
adotados pelos líderes da Reforma. Primeiro: a religião deve ser baseada
nas Escrituras Sagradas, pois nada substitui a autoridade da Bíblia
como nossa regra de fé e prática. Nem costume, nem tradição, nem
cultura. Sola Scriptura! Segundo: a religião deve ser racional e
inteligente, significando que, embora a razão esteja subordinada à
revelação, a natureza racional do homem não pode ser violada por dogmas e
doutrinas irracionais.
Terceiro:
a religião é pessoal, ou seja, cada crente deve confessar o seu pecado
diretamente a Deus, sem a necessidade de um sacerdote humano para
perdoar-lhe. A adoração também é pessoal, de modo que os crentes podem
ter comunhão com Deus, individualmente. Quarto: a religião deve ser
espiritual, não formalista. Isso pressupõe a volta aos princípios
evangélicos de simplicidade e pureza, indicando que o crente era
santificado pela presença do Espírito Santo em sua vida interior, não
pela observância de formalidades e cerimônias externas.
Todos
os cristãos devem ter isto sempre em mente: ao estarmos constantemente
nos reformando, manteremos sempre aberto o canal para que a “multiforme
graça de Deus” continue a operar na igreja e em nossas vidas “sem
impedimento algum” (1 Pe 4.10; At 28.31). Soli Deo Gloria!
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