sexta-feira, 22 de agosto de 2014

O tudo ou nada da vida

 
 
 
Agora que a Copa do Mundo entrou na fase mais difícil, conhecida como mata-mata, ou simplesmente eliminatória, cada partida tem de ter o seu vencedor. Se no tempo regulamentar houver empate, parte-se para a prorrogação; e se persistir o empate, as equipes se enfrentam nas penalidades. Tem de haver um vencedor, um único vencedor, até a partida final. Quem ganha, vibra e celebra; quem perde, lamenta e chora. E será assim até que conheçamos a seleção Campeã do Mundo.
Não existe lugar para erros, pois qualquer vacilo, por menor que seja, pode selar a derrota definitiva de uma equipe, não importa o quanto seja melhor do que a outra, ou mesmo se tinha maior volume de jogo, nem se merecia ganhar. É assim na Copa. E a vida tem lá suas semelhanças, quanto temos de lutar contra coisas e circunstâncias à nossa volta.
O certo é que gostamos de ganhar, não importa o quanto nos custe. Mas nem sempre acertamos tudo, às vezes não “jogamos” segundo as regras; nem sempre superamos os obstáculos, às vezes não acertamos o alvo. As nossas escolhas nem sempre são as melhores, e descobrimos que, na vida, existe também o seu tudo ou nada.
Na maioria das vezes, porém, temos de lutar na arena da nossa própria alma, contra as animalidades do nosso caráter, contra as inclinações pecaminosas da nossa natureza caída. E, acima de tudo, temos também de fazer a coisa certa. Algo semelhante a ganhar o sorteio de uma “compra-maluca” em um supermercado – onde tudo é grátis! O ganhador tem uns poucos minutos para pegar o máximo de mercadorias possível. Esgotado o tempo, os itens são contados, e o preço, totalizado.
Suponhamos que, ao começar a marcação do tempo, a pessoa tenha ido direto para os produtos mais caros. Podemos deduzir, então, que ela traçou uma estratégia cuidadosa e sabia exatamente o que queria. Agora, suponhamos que tenha enchido o carrinho com produtos inúteis, por exemplo, caixas vazias de mostruário. O que diriam? “Quanta tolice! Por que não pegou o que era mais caro?”
É exatamente essa imagem que brota para o nosso tempo com a descrição que o profeta Jeremias fez do povo de Israel em sua relação com Deus, muitos séculos atrás. Segundo o profeta, o povo passou os dias acumulando coisas vazias e inúteis. Ou seja: “trocou a sua Glória por aquilo que é de nenhum proveito” (Jr 2.11). Em outras palavras, eles se afastaram de Deus, a fonte de todo o bem, para confiarem em objetos sem nenhum valor.
Jeremias estava se referindo ao fato de Israel abandonar o Senhor e passar a confiar em ídolos que não veem, não falam e nada podem fazer. Isto era para ser motivo de espanto nos céus, diz o profeta: “Espantai-vos disto, ó céus, e horrorizai-vos! Ficai estupefatos, diz o Senhor. Porque dois males cometeu o meu povo: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retêm as águas” (Jr 2.12-13).
Não precisamos voltar tanto na história para constatar que grande tolice é essa atitude. Causa preocupação o fato de não poucas pessoas, ainda hoje, fazerem as mesmas coisas condenadas pelo antigo profeta. São pessoas que agem “como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro” (Ef 4.14). Basta surgir um modismo, uma “pirotecnia” com algum verniz teológico, e lá se vão eles. São como competidores que enchem o carrinho com coisas que não têm nenhum proveito. Ou como jogadores que ganham a Copa da futilidade.
Em vez de colocarem sua confiança no Senhor, confiam no que diz o enganador. Nem se dão conta se sua mensagem está fora de contexto ou em flagrante contradição com a Palavra de Deus. Em lugar de exercerem a fé no que Deus diz, praticam a fé na fé; ou seja: fé em coisas e pessoas, fé em métodos, fé no que podem fazer.
Quando as pessoas são instruídas a confiar em coisas e métodos, elas estão sendo levadas simplesmente à prática religiosa, que diante de Deus não tem nenhum proveito. Usar sal grosso para espantar mau-olhado, colocar um copo de água sobre rádio ou televisão para receber cura, utilizar colete para expulsar encosto, dar dinheiro para receber bênçãos, entre outros, é exercer fé na fé; é prática religiosa. Ao participarem de correntes e campanhas agem como quem tenta vencer Deus pelo cansaço. Isso nada tem a ver com o Evangelho ou com os princípios da fé, conforme expressos nas Escrituras. São apenas escolhas religiosas.
Vejo com pesar muitas pessoas frustradas e machucadas, sentindo-se infelizes porque, mesmo tendo feito tudo, a sua fé parece não funcionar. Vejo muitos espiritualmente esgotados, cansados da própria fé, com medo de confiar em Deus. Como resultado, pesa-lhes ainda a autoacusação contínua de que não creram como deveriam ou que a sua fé é insignificante.
As águas barrentas dessa neo-teologia dos “ganhadores de nada” não satisfazem a sede. A esses, serve o que Jesus diz: “Quem beber desta água tornará a ter sede; aquele, porém, que beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna” (Jo 4.13-14).
No tudo ou nada da vida, aprenda a confiar somente na Palavra de Deus, pois só assim poderá dizer: “Tudo posso naquele que me fortalece”.
 
 
Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém






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quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Vergonha pra que te quero...

 
 
 
A Copa do Mundo está em pleno andamento e as previsões catastróficas sob o epíteto do “Imagina na Copa” não se confirmaram. As manifestações contrárias, até agora, foram pífias. E os ensaios de quem desejaria desabafar com o despudorado “tenho vergonha de ser brasileiro” não encontrou ainda o seu respaldo nem audiência que o valha. Os turistas, que muitos esperavam passar pitos de reclamações bem fundamentadas pelos maus serviços públicos disponíveis, esses parecem não ligar e se mostram até mesmo mais alegres que os anfitriões brasileiros.
Nada disso, porém, faz desaparecer os problemas por demais conhecidos, nem exime as autoridades de suas responsabilidades, tampouco esvanece a justeza das reclamações emanadas do povo contra a incompetência das autoridades públicas diante dos problemas nacionais. Ademais, jamais deverá obscurecer a capacidade virtuosa de colocar a nossa vergonha na cara a serviço de alguma coisa boa e proveitosa.
Se o Brasil ganhar a Copa, sua vergonha diminuirá de importância? Se perder, aumentará? Se você não liga, deveria pelo menos questionar a motivação da sua propalada vergonha. Isto porque vergonha na cara não é somente um artigo raro, é também inerente aos cidadãos de bem. 
Na opinião de Capistrano de Abreu, a Constituição Federal deveria conter apenas dois artigos. Primeiro: “Todo brasileiro deve ter vergonha na cara”. Segundo: “Revogam-se as disposições em contrário.” Mas pergunta-se: Vergonha para quê?
Rui Barbosa, em discurso no Senado Federal, em 17 de dezembro de 1914, declarou: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”.
Rui Barbosa fez este desabafo ao defender o requerimento sobre uma chacina de presos conhecida como “Caso Satélite”. A impunidade dos assassinos confessos, depois de quase quatro anos decorridos do crime, o motivou a fazer esse inflamado discurso. O que tinha de observação do cotidiano, seu discurso tinha também de profético. Pois ainda hoje, decorrido quase um século, a impunidade no Brasil perdura e recrudesce. Isso não e novidade, é apenas o reflexo da continuidade do triunfo das nulidades, da prosperidade da desonra, do crescimento da injustiça e do agigantamento do poder nas mãos dos maus.
Essa total inversão de valores não seria, hoje, o princípio que subjaz nos famigerados casos de corrupção no Congresso Nacional? Ora, não estaria isso também entranhado em outros setores da vida nacional?
Quando homens públicos procedem na contramão da honra, agem como quem acredita que não é o cachorro que abana o rabo, mas o rabo abana o cachorro. Felizmente a sociedade tem instrumentos para reciclar-se e fazer incisões eleitoralmente cirúrgicas para extirpar esses “apêndices” supurados de sem-vergonhice.
Mas esse não é o problema maior, que são os danos que suas posturas despudoradas e infames causam nas pessoas de bem, as que são interiormente susceptíveis de desânimo crônico.
O desânimo quanto ao exercício da virtude faz com que cidadãos, incapazes de sujar suas casas, joguem lixo nas ruas; faz com que cidadãos, incapazes de furar uma fila de banco, permitam-se a levar vantagem e passar na frente dos carros que estão enfileirados num retorno de pista única; faz com que cidadãos, mesmo tratando bem seus pais e filhos, não estendem o mesmo tratamento a velhos e crianças desconhecidos — antes, não lhes dão o lugar num coletivo lotado, não lhes cedem seu lugar na fila, não lhes dão prioridade na passagem de um cruzamento.
O mau exemplo é contagioso. Um atleta famoso, pelo simples desejo de ganhar mais dinheiro, se torna garoto propaganda de bebida alcoólica. É lícito, mas não convém. Pois fatalmente será responsável pelo descaminho de tantos garotos que, mirando-se no seu anunciado “exemplo”, no máximo se transformarão em bêbados contumazes.
A despeito de qualquer coisa errada ou fora de lugar, não desista nem desanime da virtude. Ainda que debochem de quem devolve o dinheiro achado, continue fazendo a coisa certa; ainda há quem devolva. Ainda que desdenhem de alguém ser gentil com uma mulher e abrir-lhe a porta do carro, mantenha a sua educação; ainda há que abra portas para mulheres. Ainda que desdenhem de quem é honesto e não se vende, mantenha a esperança; ainda há pessoas que não têm preço. Ainda que filhos ingratos desrespeitem e não honrem os próprios pais, seja fiel em cumprir o mandamento de Deus; ainda há quem o faça. 
Honestidade é virtude, mas é também obrigação. Por isso, não tenha vergonha de ser honesto, pois é seu dever. Tenha, antes, vergonha dos desonestos. Quem sabe, um dia se toquem de que o tempo deles passou, pois a própria História os varrerá para debaixo do tapete de suas insignificâncias.
Não tenha vergonha de pertencer à Igreja de Jesus, tenha antes vergonha daqueles que, semeando divisão e motivados pelo desejo de dominação do rebanho de Deus, envergonham a Cristo.
Constantemente lê-se sobre algum cidadão dizendo-se com “vergonha de ser brasileiro”. Mas não tenha vergonha de ser brasileiro; tenha, antes, vergonha dos brasileiros que não têm vergonha na cara.
 
 
Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém


sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Quando ninguém mais está olhando

 
 
 
Há muitos que acreditam que as pessoas, em geral, são moralmente boas, mesmo sem correr o risco de punição se não o forem. Esses humanistas podem ser chamados de discípulos tardios de Sócrates, que ensinava tal doutrina. O filósofo Platão, embora se considerasse discípulo de Sócrates, em seu livro A República apresenta uma contra-argumentação que um suposto aluno de nome Glauco fizera em resposta a esse aspecto da moral. Para tal discordância filosófica Platão deu o título de O Anel de Gyges.
Gyges, o personagem principal dessa história, era um pastor de ovelhas a serviço do rei Candaules de Lydia. Após um terremoto, Gyges encontra uma caverna na montanha, onde havia um túmulo com um cadáver que usava um anel. Quando coloca o anel em seu próprio dedo, Gyges percebe que o anel o torna invisível. Gyges arranja então para ser escolhido como funcionário da corte e usa o seu poder de invisibilidade para seduzir a rainha. Com a ajuda desta, assassina o rei e torna-se ele próprio rei de Lydia, além de praticar de travessuras infantis a crimes medonhos.
Platão usa a fábula de Glauco como um condão filosófico para levantar uma importante questão moral, posta desta forma: sem ninguém para monitorar o seu comportamento, quem seria capaz de resistir à tentação do mal? Se soubesse que seus atos não seriam testemunhados, você respeitaria a dignidade do outro, sua intimidade, seus segredos, sua liberdade, sua propriedade, sua vida? Portanto, como você procede quando ninguém está olhando?
Os discípulos de Gyges estão em toda parte, pois quando ninguém está olhando, muitas coisas acontecem que fazem abalar os pilares da moralidade e da ética.
Quando ninguém está olhando... Deputados e senadores se aproveitam e usam indiscriminadamente jatos da Força Aérea para suas viagens particulares... Parlamentares são comprados para facilitar a aprovação de matérias que favorecem o governo... Funcionários públicos recebem propina para facilitar a escolha de empresas em licitação marcada... Obras públicas cujas licitações foram aprovadas por valores mínimos de mercado recebem inúmeros aditivos e se tornam dez vezes mais caras... É comprada uma refinaria americana com um ágio de mais de oitocentos por cento em relação ao preço de venda de um ano antes, isso se transforma depois num prejuízo bilionário, e ainda tem gente no governo dizendo que foi um bom negócio.
Quando ninguém está olhando... Um membro do Conselho de Ética do PT faz ameaças de morte ao Presidente do Supremo Tribunal Federal julgando-se protegido pelo anonimato da internet... O cidadão comum oferece suborno a um guarda de trânsito para escapar de uma multa... Alunos relapsos e preguiçosos que se julgam “espertos” compram gabaritos de provas de concursos vestibulares... Juízes e parlamentares nepotistas burlam a lei ao fazerem o cruzamento de contratação de seus parentes... Policiais corruptos aterrorizam e matam algum desafeto... Religioso pedófilo abusa sexualmente de menores que deveria proteger.
Algum desses personagens faria as mesmas coisas se soubesse que seria apanhado? Até que ponto essa lassidão moral nas esferas superiores da liderança pode se espalhar por toda a sociedade?
De modo geral, não se pode negar que um dos incentivos para alguém infringir uma lei ou regra moral repousa na crença de que outros também a violam, ou que “todo mundo faz”. As pessoas parecem estar convencidas de que, se todo mundo age de determinada maneira, mesmo que ilegal, elas também podem. A lógica é essa: se todo mundo faz, então que mal há se eu o fizer também? O agravante é muito maior quando o mau exemplo vem de líderes que supostamente deveriam zelar pela moral e pelos bons costumes.
Por outro lado, há os que apoiam com o seu exemplo a visão socrática da vida, de que as pessoas, em geral, são boas mesmo sem correr o risco de punição se não o forem.
Por isso, quando ninguém está olhando... Taxista devolve ao usuário o pacote deixado em seu veículo... Zelador devolve uma carteira abarrotada de dinheiro a quem a perdeu... Funcionário público não se deixa subornar... Deputado vota segundo a sua consciência e faz prevalecer o decoro parlamentar... Juiz íntegro julga segundo a reta justiça... Policial correto zela pela lei e ordem... O cidadão comum faz o bem sem olhar a quem.
Andar em retidão é o dever de cada cidadão, mesmo quando ninguém está olhando. Quanto ao crente em Jesus, este sabe que deve fazer o que é certo, não para ser visto “como para agradar a homens, mas como servo de Cristo, fazendo, de coração, a vontade de Deus”; e também está ciente “de que cada um, se fizer alguma coisa boa, receberá isso outra vez do Senhor” (Ef 6.6).
Acima de tudo, porém, temos de pensar que há um Deus que tudo vê: “Porque os meus olhos estão sobre todos os seus caminhos; ninguém se esconde diante de mim, nem se encobre a sua iniquidade aos meus olhos” (Jr 16.17). “Os meus olhos procurarão os fiéis da terra, para que habitem comigo; o que anda em reto caminho, esse me servirá” (Sl 101.6).
Mesmo quando parece que ninguém mais está olhando, prossiga em fazer o bem e seja correto, pois nisso há uma grande recompensa. Faça a coisa certa!
 
 
Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém


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