Há
muitos que acreditam que as pessoas, em geral, são moralmente boas,
mesmo sem correr o risco de punição se não o forem. Esses humanistas
podem ser chamados de discípulos tardios de Sócrates, que ensinava tal
doutrina. O filósofo Platão, embora se considerasse discípulo de
Sócrates, em seu livro A República apresenta uma
contra-argumentação que um suposto aluno de nome Glauco fizera em
resposta a esse aspecto da moral. Para tal discordância filosófica
Platão deu o título de O Anel de Gyges.
Gyges,
o personagem principal dessa história, era um pastor de ovelhas a
serviço do rei Candaules de Lydia. Após um terremoto, Gyges encontra uma
caverna na montanha, onde havia um túmulo com um cadáver que usava um
anel. Quando coloca o anel em seu próprio dedo, Gyges percebe que o anel
o torna invisível. Gyges arranja então para ser escolhido como
funcionário da corte e usa o seu poder de invisibilidade para seduzir a
rainha. Com a ajuda desta, assassina o rei e torna-se ele próprio rei de
Lydia, além de praticar de travessuras infantis a crimes medonhos.
Platão
usa a fábula de Glauco como um condão filosófico para levantar uma
importante questão moral, posta desta forma: sem ninguém para monitorar o
seu comportamento, quem seria capaz de resistir à tentação do mal? Se
soubesse que seus atos não seriam testemunhados, você respeitaria a
dignidade do outro, sua intimidade, seus segredos, sua liberdade, sua
propriedade, sua vida? Portanto, como você procede quando ninguém está
olhando?
Os
discípulos de Gyges estão em toda parte, pois quando ninguém está
olhando, muitas coisas acontecem que fazem abalar os pilares da
moralidade e da ética.
Quando
ninguém está olhando... Deputados e senadores se aproveitam e usam
indiscriminadamente jatos da Força Aérea para suas viagens
particulares... Parlamentares são comprados para facilitar a aprovação
de matérias que favorecem o governo... Funcionários públicos recebem
propina para facilitar a escolha de empresas em licitação marcada...
Obras públicas cujas licitações foram aprovadas por valores mínimos de
mercado recebem inúmeros aditivos e se tornam dez vezes mais caras... É
comprada uma refinaria americana com um ágio de mais de oitocentos por
cento em relação ao preço de venda de um ano antes, isso se transforma
depois num prejuízo bilionário, e ainda tem gente no governo dizendo que
foi um bom negócio.
Quando
ninguém está olhando... Um membro do Conselho de Ética do PT faz
ameaças de morte ao Presidente do Supremo Tribunal Federal julgando-se
protegido pelo anonimato da internet... O cidadão comum oferece suborno a
um guarda de trânsito para escapar de uma multa... Alunos relapsos e
preguiçosos que se julgam “espertos” compram gabaritos de provas de
concursos vestibulares... Juízes e parlamentares nepotistas burlam a lei
ao fazerem o cruzamento de contratação de seus parentes... Policiais
corruptos aterrorizam e matam algum desafeto... Religioso pedófilo abusa
sexualmente de menores que deveria proteger.
Algum
desses personagens faria as mesmas coisas se soubesse que seria
apanhado? Até que ponto essa lassidão moral nas esferas superiores da
liderança pode se espalhar por toda a sociedade?
De
modo geral, não se pode negar que um dos incentivos para alguém
infringir uma lei ou regra moral repousa na crença de que outros também a
violam, ou que “todo mundo faz”. As pessoas parecem estar convencidas
de que, se todo mundo age de determinada maneira, mesmo que ilegal, elas
também podem. A lógica é essa: se todo mundo faz, então que mal há se
eu o fizer também? O agravante é muito maior quando o mau exemplo vem de
líderes que supostamente deveriam zelar pela moral e pelos bons
costumes.
Por
outro lado, há os que apoiam com o seu exemplo a visão socrática da
vida, de que as pessoas, em geral, são boas mesmo sem correr o risco de
punição se não o forem.
Por
isso, quando ninguém está olhando... Taxista devolve ao usuário o
pacote deixado em seu veículo... Zelador devolve uma carteira abarrotada
de dinheiro a quem a perdeu... Funcionário público não se deixa
subornar... Deputado vota segundo a sua consciência e faz prevalecer o
decoro parlamentar... Juiz íntegro julga segundo a reta justiça...
Policial correto zela pela lei e ordem... O cidadão comum faz o bem sem
olhar a quem.
Andar
em retidão é o dever de cada cidadão, mesmo quando ninguém está
olhando. Quanto ao crente em Jesus, este sabe que deve fazer o que é
certo, não para ser visto “como para agradar a homens, mas como servo de
Cristo, fazendo, de coração, a vontade de Deus”; e também está ciente
“de que cada um, se fizer alguma coisa boa, receberá isso outra vez do
Senhor” (Ef 6.6).
Acima
de tudo, porém, temos de pensar que há um Deus que tudo vê: “Porque os
meus olhos estão sobre todos os seus caminhos; ninguém se esconde diante
de mim, nem se encobre a sua iniquidade aos meus olhos” (Jr 16.17). “Os
meus olhos procurarão os fiéis da terra, para que habitem comigo; o que
anda em reto caminho, esse me servirá” (Sl 101.6).
Mesmo
quando parece que ninguém mais está olhando, prossiga em fazer o bem e
seja correto, pois nisso há uma grande recompensa. Faça a coisa certa!
Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
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