BAHIA
Mariana Rios | Redação CORREIO
“Pare
de chorar, Marcinho. Vou comprar balas para você”. Assim, o padrasto
tentava acalmar a criança durante os rituais de tortura na casa de sua
amante. A cada sessão de sacrifício, que acontecia há um mês, Roberto
Carlos Magalhães Lopes confessou que introduzia de três a quatro
agulhas no corpo da criança. O sofrimento do garoto era o preço que
Roberto devia pagar para ter o amor de Angelina Capistana Ribeiro dos
Santos.
Primeiro foram perfuradas as pernas. Em seguida quadril,
cintura, tórax e pescoço. Para o “ritual religioso”, as agulhas eram
compradas por Roberto Carlos em uma mercearia de Ibotirama, a 667km de
Salvador.
Choro
Nas três horas de depoimento na
delegacia, Roberto entrou em crise de choro e afirmou que precisava
desabafar. “Ele disse que não aguentava ficar mais com aquilo preso e
que estava sentindo uma dor no peito”, afirmou o delegado de Ibotirama,
Helder Fernandes Santana, responsável pelo inquérito.
Depois do choro, Roberto contou o que havia feito, entregando a
participação de duas mulheres, entre elas a amante. Em um trecho do
depoimento, contou como eram as sessões: “Ao chegar à casa de Angelina,
dava água benzida para Marcinho beber e em seguida começava o ritual,
onde Angelina manifestada mandava enfiar de três a quatro agulhas na
criança, que chorava e gritava muito”.
Benzedeira
Para a casa de Angelina eram levadas
agulhas e água benzida por uma mulher que se diz mãe-de-santo, que mora
no mesmo bairro da família da criança. Maria dos Anjos Nascimento teria
receitado o ritual ao casal e caberia a Roberto causar o sofrimento ao
garoto.
As ordens, segundo depoimento dele prestado à polícia, partiam de
Angelina, que nega a participação, assim como a suposta mãe-de-santo.
Todos moram no mesmo bairro, o Alto do Fundão. “As duas mulheres estão
sob investigação. Roberto Carlos as acusou de participação. Pretendo
caracterizar melhor a motivação, mas a princípio, Roberto queria se
vingar da mãe do garoto por algum desentendimento. Ele queria ficar com
as duas mulheres”, acredita Santana.
Sumiço
Ontem (17), na delegacia, as informações
sobre o paradeiro de Roberto eram desencontradas. O delegado afirma
que, por motivo de segurança, o padrasto havia sido transferido para
outro município. No entanto, agentes civis afirmaram que Roberto
continua custodiado no local para novos interrogatórios. “Tive meu
carro apedrejado ontem (quarta-feira), quando fui para casa. O povo
achava que ele estava lá dentro”, afirmou o delegado.
Segundo ele, Roberto estava desempregado e há duas semanas conseguiu
um emprego como ajudante de pedreiro. “Antes ele era sustentado pela
mãe de Márcio”. Aparentemente, ainda segundo o delegado, Roberto não
apresenta distúrbios mentais. A avó da criança esteve na delegacia, mas
não quis ver os suspeitos pelo crime. “A família conhece todo o
pessoal. Estão muito chocados e não querem conversar sobre esse
assunto”, contou um agente da Polícia Civil.
'Mãe-de-santo não faz o mal', diz estudioso
Ao
contrário do ritual que inseriu as agulhas no corpo do menino Márcio,
as religiões de matriz africana não têm em suas doutrinas práticas de
sacrifício a seres humanos, segundo explica o professor e antropólogo
Fábio Lima, do Centro de Estudos Afro-Orientais. “No candomblé não há
esse tipo de prática. A mãe-de-santo é uma pessoa preparada, que
cumpriu obrigações por no mínimo sete anos”.
O mestre em ciência sociais diz que nesse período a pessoa aprende
como beneficiar as pessoas. “Jamais uma mãe-de-santo orientaria a
colocação de agulhas no corpo de uma criança”. A repercusão do caso, no
qual uma das acusadas se diz mãe-de-santo preoucupa o estudioso. “Isso
só favorece o aumento do preconceito”.
Estrutura precária
O Ministério Público
Estadual (MPE) designou o promotor Eduardo Antonio Bittencourt Filho,
da comarca de Barreiras, para acompanhar o caso do menino Márcio.
Segundo uma funcionária do fórum, o município de Ibotirama está sem
promotor de Justiça desde outubro. A assessoria do MPE justificou que a
promotora de Bom Jesus da Lapa, Nívia Carvalho de Andrade, tem atuado
no local. “Audiências não são realizadas aqui desde outubro. Se em dez
dias o promotor não oferece denúncia, os criminosos acabam soltos”,
revelou uma funcionária que pediu anonimato.
O município também não tem juiz titular para a vara criminal e a
estrutura da delegacia é precária, com deficiência de funcionários.
“Temos apenas um policial de plantão”, denunciou um agente da Polícia
Civil. O juiz da comarca de Oliveira dos Brejinhos, Oclei Alves da
Silva, decretou ontem pela manhã a prisão temporária (cinco dias) de
Roberto, Angelina e Maria.Amedida, segundo o delegado Helder Fernades
Santana, foi tomada para dar prosseguimento às investigações. Nenhum
dos três investigados possui passagem pela polícia.
Roberto, que confessou o crime, deve ser indiciado por tentativa de
homicídio. “Vamosdefinir as qualificantes ao longo do inquérito.
Roberto tinha plena consciência do risco de morte que o garoto sofria.
Ele teve intenção de matar”, afirmou Santana.
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