sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Padrasto prometia balas enquanto enfiava agulhas na criança

BAHIA


Mariana Rios | Redação CORREIO

“Pare de chorar, Marcinho. Vou comprar balas para você”. Assim, o padrasto tentava acalmar a criança durante os rituais de tortura na casa de sua amante. A cada sessão de sacrifício, que acontecia há um mês, Roberto Carlos Magalhães Lopes confessou que introduzia de três a quatro agulhas no corpo da criança. O sofrimento do garoto era o preço que Roberto devia pagar para ter o amor de Angelina Capistana Ribeiro dos Santos.

Primeiro foram perfuradas as pernas. Em seguida quadril, cintura, tórax e pescoço. Para o “ritual religioso”, as agulhas eram compradas por Roberto Carlos em uma mercearia de Ibotirama, a 667km de Salvador.


Choro
Nas três horas de depoimento na delegacia, Roberto entrou em crise de choro e afirmou que precisava desabafar. “Ele disse que não aguentava ficar mais com aquilo preso e que estava sentindo uma dor no peito”, afirmou o delegado de Ibotirama, Helder Fernandes Santana, responsável pelo inquérito.

Depois do choro, Roberto contou o que havia feito, entregando a participação de duas mulheres, entre elas a amante. Em um trecho do depoimento, contou como eram as sessões: “Ao chegar à casa de Angelina, dava água benzida para Marcinho beber e em seguida começava o ritual, onde Angelina manifestada mandava enfiar de três a quatro agulhas na criança, que chorava e gritava muito”.


Benzedeira
Para a casa de Angelina eram levadas agulhas e água benzida por uma mulher que se diz mãe-de-santo, que mora no mesmo bairro da família da criança. Maria dos Anjos Nascimento teria receitado o ritual ao casal e caberia a Roberto causar o sofrimento ao garoto.

As ordens, segundo depoimento dele prestado à polícia, partiam de Angelina, que nega a participação, assim como a suposta mãe-de-santo. Todos moram no mesmo bairro, o Alto do Fundão. “As duas mulheres estão sob investigação. Roberto Carlos as acusou de participação. Pretendo caracterizar melhor a motivação, mas a princípio, Roberto queria se vingar da mãe do garoto por algum desentendimento. Ele queria ficar com as duas mulheres”, acredita Santana.


Sumiço
Ontem (17), na delegacia, as informações sobre o paradeiro de Roberto eram desencontradas. O delegado afirma que, por motivo de segurança, o padrasto havia sido transferido para outro município. No entanto, agentes civis afirmaram que Roberto continua custodiado no local para novos interrogatórios. “Tive meu carro apedrejado ontem (quarta-feira), quando fui para casa. O povo achava que ele estava lá dentro”, afirmou o delegado.

Segundo ele, Roberto estava desempregado e há duas semanas conseguiu um emprego como ajudante de pedreiro. “Antes ele era sustentado pela mãe de Márcio”. Aparentemente, ainda segundo o delegado, Roberto não apresenta distúrbios mentais. A avó da criança esteve na delegacia, mas não quis ver os suspeitos pelo crime. “A família conhece todo o pessoal. Estão muito chocados e não querem conversar sobre esse assunto”, contou um agente da Polícia Civil.


'Mãe-de-santo não faz o mal', diz estudioso
Ao contrário do ritual que inseriu as agulhas no corpo do menino Márcio, as religiões de matriz africana não têm em suas doutrinas práticas de sacrifício a seres humanos, segundo explica o professor e antropólogo Fábio Lima, do Centro de Estudos Afro-Orientais. “No candomblé não há esse tipo de prática. A mãe-de-santo é uma pessoa preparada, que cumpriu obrigações por no mínimo sete anos”.

O mestre em ciência sociais diz que nesse período a pessoa aprende como beneficiar as pessoas. “Jamais uma mãe-de-santo orientaria a colocação de agulhas no corpo de uma criança”. A repercusão do caso, no qual uma das acusadas se diz mãe-de-santo preoucupa o estudioso. “Isso só favorece o aumento do preconceito”.


Estrutura precária
O Ministério Público Estadual (MPE) designou o promotor Eduardo Antonio Bittencourt Filho, da comarca de Barreiras, para acompanhar o caso do menino Márcio. Segundo uma funcionária do fórum, o município de Ibotirama está sem promotor de Justiça desde outubro. A assessoria do MPE justificou que a promotora de Bom Jesus da Lapa, Nívia Carvalho de Andrade, tem atuado no local.  “Audiências não são realizadas aqui desde outubro. Se em dez dias o promotor não oferece denúncia, os criminosos acabam soltos”, revelou uma funcionária que pediu anonimato.

O município também não tem juiz titular para a vara criminal e a estrutura da delegacia é precária, com deficiência de funcionários. “Temos apenas um policial de plantão”, denunciou um agente da Polícia Civil. O juiz da comarca de Oliveira dos Brejinhos, Oclei Alves da Silva, decretou ontem pela manhã a prisão temporária (cinco dias) de Roberto, Angelina e Maria.Amedida, segundo o delegado Helder Fernades Santana,  foi tomada para dar prosseguimento às investigações. Nenhum dos três investigados possui passagem pela polícia.

Roberto, que confessou o crime, deve ser indiciado por tentativa de homicídio. “Vamosdefinir as qualificantes ao longo do inquérito. Roberto tinha plena consciência do risco de morte que o garoto sofria. Ele teve intenção de matar”, afirmou Santana.


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