AP e Nyt - O Estadao de S.Paulo
CIDADE DO VATICANO
No dia em que a Igreja lembrou a crucificação de Cristo, um veterano membro do Vaticano comparou as reações aos escândalos de abusos sexuais contra menores praticados por religiosos católicos em vários países nas últimas décadas à perseguição aos judeus.
A declaração, feita diante do papa Bento XVI durante a celebração de Sexta-Feira Santa na Basílica de São Pedro, foi mal recebida por representantes da religião judaica e não foi corroborada pelo porta-voz do Vaticano.
A fala do franciscano capuchinho Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia desde 1980, foi vista como aumento no tom da reação da Igreja à onda de revelações de abusos nas últimas semanas e a reportagens que sugerem leniência da instituição. Matérias de jornais como o New York Times indicam que o próprio papa Bento XVI, antes de assumir a chefia da Igreja, teria evitado punir padres pedófilos. Membros da Igreja em todo o mundo têm classificado a repercussão dos casos como perseguição ao pontífice.
Na celebração de ontem, o papa ficou sentado, olhando para baixo, enquanto Cantalamessa, em seu sermão, lembrava que, neste ano, as Páscoas cristã e judaica caíram na mesma data, o que o teria feito pensar nos judeus. "Eles sabem o que significa ser vítimas de violência coletiva e, também por isso, são rápidos em reconhecer os sintomas recorrentes", disse. O frade citou o que seria uma carta de um amigo judeu: "Estou acompanhando os violentos e concêntricos ataques contra a Igreja, o papa e os fiéis. O uso de estereótipos e a transição da responsabilidade pessoal para a culpa coletiva me lembram dos mais vergonhosos aspectos do antissemitismo."
O porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, ressaltou que o sermão de frei Cantalamessa representa suas opiniões pessoais e não é uma "declaração oficial" do Vaticano. Para ele, a comparação é "inadequada" e deve ser interpretada como sinal de "solidariedade" do não identificado amigo judeu do pregador. "Não se trata de um ataque ao mundo judeu", frisou. Lombardi também disse que o papa não sabia do conteúdo do sermão.
O comentário de Cantalamessa foi feito ao final de um sermão sobre a natureza da violência e o sacrifício de Cristo, mas fez só uma breve menção às vítimas molestadas por religiosos. "Não falo aqui da violência contra as crianças, pela qual infelizmente alguns membros do clero estão manchados. Sobre isso está se falando o suficiente lá fora."
Repercussão. O porta-voz de uma associação de vítimas de abuso de padres nos Estados Unidos, David Clohessy, classificou a comparação de "insensível e errônea". "Homens que deliberadamente ocultam crimes sexuais contra crianças não são vítimas ", disse. "E combinar o escrutínio público a uma terrível violência é muito errado."
O rabino-chefe de Roma, Riccardo di Segni, que recebeu o papa durante visita à sinagoga em janeiro para acalmar tensões entre as duas religiões, riu diante da declaração. "Com um mínimo de ironia, vou dizer que hoje é Sexta-Feira Santa, quando eles rezam para que o Senhor ilumine nossos corações para que reconheçamos Jesus. Nós também rezamos para que o Senhor ilumine o deles." Stephan Kramer, secretário-geral do Conselho Central de Judeus da Alemanha, chamou a declaração de "insolência". "É repulsiva, obscena e acima de tudo ofensiva a todas as vítimas de abuso e também às do Holocausto." /
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