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Samuel
Câmara
Pastor da
Assembleia de Deus em Belém
Na Roma republicana, os mistérios anuais da “boa deusa”, que somente
mulheres podiam ver, tinham lugar na residência oficial do ditador Júlio César,
sob a presidência de sua esposa Pompeia. Um jovem nobre devasso, de nome
Publius Clodius compareceu à reunião disfarçado de mulher. Parecia que ele
tentava um caso com Pompeia, mas é possível que tivesse ido apenas para
satisfazer sua curiosidade. Publius foi reconhecido e o resultado se tornou dos
mais escandalosos, porque os senadores da comissão de inquérito pensavam que,
por fim, poderiam descobrir o que suas esposas faziam nesse festival.
César divorciou-se de Pompeia imediatamente e mandou-a de volta para sua
família sem explicação nem desculpa, como era direito de todo marido romano.
Mas perante a comissão senatorial ele protestou que não havia provas a dar,
pois naquela noite cerimonial estivera ausente de casa, como qualquer homem
deveria estar. Um senador perguntou-lhe por que, nesse caso, se divorciara de
sua esposa. E César deu sua célebre resposta: “À mulher de César não basta ser
honesta, é preciso também parecer honesta”.
Para César, no mundo das relações públicas, era necessário evitar a
aparência do mal, pois esta, quando estabelecida, poderia causar muito maior
dano que o próprio mal. A razão é simples. O mal, uma vez ocorrido, é um fato,
fala por si só, por mais abjeto e danoso que seja. A aparência do mal, por ser
apenas uma miragem, pode dar ênfase a várias interpretações e mexericos. Assim,
portanto, não bastava apenas ser, era preciso também parecer; e uma coisa não
devia andar sem a outra.
O problema da relação entre ser e parecer, no entanto, tem uma outra
faceta, igualmente importante de ser notada. Digamos, é o outro lado da moeda.
Isto acontece quando o que se aparenta ser é uma coisa totalmente diversa do
que se é realmente. É o “efeito denorex”, que “parece, mas não é”. Por exemplo,
um político corrupto contumaz, nas mãos de um marqueteiro, tenta parecer um
santo e salvador da pátria.
Quanto ao primeiro caso, há inegavelmente um sem número de cidadãos que
levam a vida de modo correto, evitam a todo custo a aparência do mal, tentam
viver de um modo socialmente impecável. Essas pessoas, em geral, não são
notícia; vivem na discrição do anonimato. Na outra ponta, lugar comum na mídia,
estão aqueles que vivem uma coisa em privado, mas tentam nos fazer crer em
outra em público.
O mundo político brasileiro está cheio de exemplos dos que dão mais
valor à aparência que ao fato do ser. Uma candidata a prefeita, numa eleição,
chamou um candidato de nefasto. Na eleição seguinte, por estar em posição
desfavorável, se aliou ao mesmo. Bem, se nefasto fosse um elogio, não haveria o
que questionar. Mas não é. Uma pessoa nefasta é alguém “trágico, sinistro, de
mau agouro; é quem causa desgraça”. Assim também, partidos políticos
historicamente antagônicos, nos últimos tempos, costumam se aliar para tirar
vantagens eleitorais momentâneas; ou fazem acordos espúrios em troca de cargos.
As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), outrora recheadas de
credibilidade, carregam também o seu quinhão de desconfiança. Embora não tenha
sido uma criação tupiniquim, o instrumento da CPI teve aqui um largo
aprimoramento institucional. Ajudou a derrubar um presidente acusado de
corrupção, ajudou na limpeza do Congresso de deputados e senadores envolvidos
em falcatruas orçamentárias. Agora, porém, parece servir a alguns parlamentares
para fins unicamente de defender interesses próprios, numa “cachoeira” de
chantagens, achaques, intimidações, denuncismo, em vez de continuarem a
defender a causa pública.
Uma instituição que se diz séria precisa também parecer séria. Por isso
se utiliza do instrumento da publicidade para exaltar sua imagem e produtos,
quer sejam serviços ou bens de consumo. Quando a imagem não corresponde ao produto,
geralmente a própria instituição cai em descrédito.
É assim também com uma pessoa física. Seu maior produto é o caráter.
Quando suas atitudes não correspondem à imagem ostentada, a pessoa cai em
desonra. E quando insiste em parecer o que não é, cabe-lhe finalmente a pecha
de hipócrita.
Jesus se insurgiu muitas vezes duramente contra os fariseus hipócritas,
pois estes pareciam ser honestos e justos e santos, mas eram tão somente
“sepulcros caiados”. Ora, ainda hoje, a sociedade deplora a atitude de líderes
religiosos que pregam uma coisa e vivem outra. Espera-se que o produto
corresponda ao caráter, pois é fácil saber a diferença entre ser e parecer.
César tinha razão num ponto. De fato, não basta ser honesto, é preciso
também parecer honesto. O equilíbrio nesse quesito é que dá a um povo dignidade
e força para continuar lutando pelo bem, sem desvanecer ou entregar os pontos,
sem desanimar da virtude ou rir-se da honra, sem ter vergonha de ser honesto ou
deixar de lutar para ser e parecer verdadeiro.
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