Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
Desde
o primeiro Censo, realizado em 1872, quando os católicos representavam
99,7% da população brasileira, tem-se feito lembrar que o Brasil é o
maior país cristão do mundo. Considerando-se a divulgação recente do
IBGE de que 64,6% da população ainda hoje se declara católica, e também
que em apenas 30 anos a população evangélica aumentou de 6,6% para
22,2%, os números dos que se consideram cristãos continuam muito
expressivos. Mas seria verdade afirmar que o Brasil é um país cristão?
Bem,
pelos percentuais acima, isso até parece verdade. Mas não é. Na verdade
é uma grande mentira. Isso nos faz lembrar do axioma de Goebbels, cuja
propaganda nazista era baseada na máxima da embromação, isto é, que
repetindo-se exaustivamente uma mentira como se fosse verdade, no fim
das contas a mentira passaria a ser entendida como verdade.
As
consequências desse imbróglio são óbvias. Se pensamos que somos todos
cristãos, então não precisamos admitir a necessidade da mudança radical
que o evangelho produz e exige, pois supostamente já somos “de Cristo”.
Talvez, para muitos, cristão seja sinônimo de religioso, cuja vida se
baseia na teologia passiva de não fazer o mal — não matar, não roubar,
não mentir, não trair, não isso e não aquilo.
Não
praticar o mal é algo profundamente desejável em qualquer sociedade,
mas isso não é o principal elemento identificador de um cristão, é
apenas um “lado da moeda”, pois os cristãos eram historicamente
conhecidos muito mais pelo que realizavam, pelo modo como amavam e
ajudavam ao próximo, pelas transformações benéficas que produziam ao seu
redor. Por isso se dizia: “Esses que têm transtornado o mundo chegaram
até nós” (Atos 17.6).
Atribuem
a Nietzsche essa inquietante pergunta: “Que é que Cristo nega?” — e ele
mesmo teria respondido: “Tudo o que atualmente traz o nome de cristão”.
Isso
está de acordo com esta opinião de uma autoridade no assunto: “É
incontestável, com efeito, que as modalidades exteriores trazem
vestígios de cristianismo. As catedrais, herdadas dos tempos de antanho,
ornam as nossas grandes capitais. Em certas regiões, as igrejas são
numerosas. A cruz é um adereço elegante com que as pessoas realçam sua
beleza. Dão-se nomes às crianças dos mais célebres capítulos das
histórias dos santos. A linguagem está ainda entremeada de expressões
que traem sua origem cristã. Usa-se o evangelho para prestar juramento
nos tribunais. Os edifícios públicos ostentam, às vezes, crucifixos. E
poder-se-ia até dizer que, de um modo bastante habitual, os quadros
cronológicos são cristãos. Assim é que o Natal e a Páscoa continuam a
marcar as grandes datas do ano. A quaresma é ocasião de um estrondoso – e
bem pouco cristão – carnaval. Mas, no meio de todas essas manifestações
aparentemente cristãs, poderíamos, imitando Diógenes, percorrer o
Brasil à procura dos verdadeiros cristãos: aqueles para os quais o
Evangelho é um ideal de vida e não somente o livro de um sábio qualquer,
cuja leitura se ouve distraidamente, porque isso faz parte dos costumes
dominicais da sociedade em que se vive. Precisamos ter a coragem de
reconhecer e dizer, como o fez Aléxis Carrel, que “na verdade nossa
civilização olvidou que nasceu do sangue de Cristo e esqueceu também a
Deus”.
Essas
afirmativas não são oriundas de um evangélico radical, mas de um
sacerdote católico esclarecido que trabalhou vários anos no Brasil, o
doutor em teologia Paul-Eugène Charbonneu, em seu livro Cristianismo, Sociedade e Revolução.
Talvez
a razão para a maioria das pessoas se declarar cristã seja porque ser
cristão se tornou algo “chique”, não porque isso denote compromisso com
os postulados do Evangelho.
Nos
primórdios, quando os discípulos de Jesus foram chamados de cristãos,
em Antioquia, pela primeira vez, isso não representava um elogio; ao
contrário, parecia um termo pejorativo e preconceituoso (Atos 11.26).
Mas declarar-se cristão era um distintivo social poderosíssimo, pois os
cristãos viviam uma vida digna e correta diante de Deus e dos homens, o
que redundava muitas vezes em ferozes perseguições.
O
apóstolo Pedro escreveu: “Se pelo nome de Cristo, sois injuriados,
bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória de
Deus. Não sofra, porém, nenhum de vós como malfeitor... mas se sofrer
como cristão, não se envergonhe disso, antes glorifique a Deus com esse
nome” (1 Pedro 4.14-16).
Conta-se
que Mahatma Ghandi, ao ser evangelizado por um missionário, disse: “No
vosso Cristo eu creio; não creio é no vosso cristianismo”. Kierkegaard
apresentou este veredicto: “O cristianismo do Novo Testamento não existe
mais. Hoje toda a gente é cristã, o que quer dizer que ninguém o é
mais”.
Não
precisamos beirar esses extremos, pois ainda há muitos cristãos que
fazem jus a esse nome e honram a Cristo com suas vidas. O Brasil é um
país cristão nominal, decerto, pois a vida de Cristo ainda não é
refletida na sociedade. Mas cremos que, através do Evangelho, o poder de
Deus transformará muitas vidas e seus exemplos glorificarão a Cristo e
resultarão em benefício de todos.
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