sábado, 18 de maio de 2013

Convivendo com ciscos e traves


 
Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
 
  
Julgar ou criticar os outros, mas não a si mesmo, está entre as mais comezinhas atitudes humanas, senão a mais amplamente utilizada pela maioria dos mortais. Jesus reprovou veementemente essa atitude crítica: “Por que vês tu o cisco no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o cisco do teu olho, quando tens a trave no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e então verás claramente para tirar o cisco do olho de teu irmão” (Mt 73-5). Ele também disse: “Não julgueis, para que não sejais julgados” (Mt 7.1).
Decerto, a atitude crítica, muitas vezes, se traduz em a pessoa querer ser o que não é, a ponto de depreciar nos outros aquilo que desejaria para si. Tal como exemplificado num poema sobre a crítica, de autor desconhecido, que vem a ilustrar bem essa faceta:
 
Uma semente lançada no solo, logo começou a germinar.
Pensava: “Com qual dessas flores vou querer me assemelhar?”.
Não quero ser como as rosas; elas têm espinhos.
Não desejo ser um lírio. Ele é muito sem cor. 
Certamente também não quero ser uma violeta.
Ela é muito pequena e cresce próximo ao chão.
E assim criticou todas as flores aquela pequena sementinha.
Até que despertou certa manhã e descobriu ser uma erva daninha!
 
O fato é que os nossos próprios defeitos ou erros, os quais somos tão lentos para reconhecer, às vezes parecem muito grandes, mas apenas quando os vemos em outros. Parece emblemático, por exemplo, o que aconteceu com Davi, o grande rei de Israel. Ele havia cometido um erro gravíssimo, que tinha varrido para debaixo do tapete da sua alma.
O profeta Natã, enviado por Deus, chegou a Davi e contou-lhe uma parábola: “Havia numa cidade dois homens, um rico e outro pobre. Tinha o rico ovelhas e gado em grande número; mas o pobre não tinha coisa nenhuma, senão uma cordeirinha que comprara e criara, e que em sua casa crescera, junto com seus filhos; comia do seu bocado e do seu copo bebia; dormia nos seus braços, e a tinha como filha. Vindo um viajante ao homem rico, não quis este tomar das suas ovelhas e do gado para dar de comer ao viajante que viera a ele; mas tomou a cordeirinha do homem pobre e a preparou para o homem que lhe havia chegado”.
Davi ficou sobremaneira enfurecido contra aquele suposto homem, e disse a Natã: “Tão certo como vive o Senhor, o homem que fez isso deve ser morto. E pela cordeirinha restituirá quatro vezes, porque fez tal coisa e porque não se compadeceu”.
Foi então que Natã disse a Davi: “Tu és o homem” (2 Sm 12.1-7). Davi condenara, sem o saber, a si mesmo ao julgar o homem que roubou a cordeirinha. O caso do adultério de Davi com Bete-Seba, com suas funestas consequências, é deveras conhecido.
A Escritura vaticina: “Portanto, és indesculpável, ó homem, quando julgas, quem quer que sejas; porque, no que julgas a outro, a ti mesmo te condenas; pois praticas as próprias coisas que condenas” (Rm 2.1).
       Lembro-me da história de um homem idoso e míope, que julgava ser um grande perito em avaliação de objetos de arte. Um dia, ele visitou um museu com alguns de seus amigos. Havendo esquecido os seus óculos em casa, ele não podia ver com clareza os quadros, mas isso não o impediu de emitir as suas “abalizadas” opiniões. Assim que entraram na galeria, ele começou a criticar vários quadros.
Parando em frente do que achava ser um retrato de corpo inteiro, logo emendou uma crítica: “A moldura está totalmente em desalinho com o quadro. O homem está muito mal vestido e sem graça. De fato, foi um grande erro o artista ter escolhido um motivo tão descabido para este quadro”.
O homem ficou tagarelando sem parar, até que a sua esposa finalmente conseguiu chamá-lo de lado e sussurrar-lhe no ouvido: “Querido, você está se olhando no espelho”.
Esse é um exemplo típico de uma figura muito comum e conhecida de todos: aqueles que veem ciscos nos olhos dos outros, mas não a trave nos seus. Em geral são pessoas que, muito mais que “micos” ou escorregões éticos, têm verdadeiros desvios de conduta. São peritos em criticar os outros, mas não conseguem ver as próprias falhas.
É fácil criticar, julgar e condenar os outros. Difícil é examinar-se e julgar a si mesmo. Uma boa cura para o espírito crítico é um olhar honesto para si mesmo – não para os outros. A Bíblia ensina que não devemos pensar mais do que convém sobre nós mesmos, mas com “moderação” (Rm 12.3).
Desse modo, em vez de sermos peritos em criticar as falhas dos outros, nos olhemos no espelho da Palavra de Deus e peçamos a ajuda do Senhor para enxergarmos claramente as nossas próprias falhas.
E depois de pedirmos perdão, sigamos em frente, certos de que as misericórdias do Senhor – não as nossas supostas virtudes – são a causa de não sermos consumidos, inclusive pelos julgamentos alheios.
 



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