quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Leia uma entrevista inédita com Waldick Soriano









Leia uma entrevista inédita com Waldick Soriano





Cantor morreu nesta quinta-feira (4), aos 75 anos, no Rio de Janeiro.
Em conversa de 2007 com o G1, ele fala de percalços e polêmicas.






Giovana Sanchez Do G1, em São Paulo


O cantor Waldick Soriano, que morreu nesta quinta (Foto: Agência Estado)







No interior da Bahia, Waldick Soriano foi de tudo: peão, garimpeiro, chofer de caminhão. Em São Paulo, virou um dos principais cantores populares da década de 1970 e 1980, com, segundo ele, 84 discos gravados e sucessos como "Quem és tu?" e "Eu não sou cachorro, não". Casou com uma prostituta, teve músicas censuradas pela ditadura e namorou socialites. Aos 73 anos, quando concedeu essa entrevista, o cantor já tratava do câncer de próstata, dividia o tempo entre Fortaleza e Teresina e vivia dos direitos autorais e das raras apresentações que fazia, mas que, segundo ele, “ainda lotavam as platéias”.







Soriano morreu por volta das 5h30 desta quinta-feira (4). Seu corpo deve ser enterrado no Cemitério do Caju e velado no salão principal da Câmara dos Vereadores do Rio.






Em um papo ocorrido no apartamento de Soriano em Fortaleza, em janeiro de 2007, o cantor falou sobre a infância, sobre seus grandes sucessos e sobre as mulheres. Leia os principais trechos da conversa:






G1 - O sr. morou até os 27 anos numa cidadezinha do interior da Bahia, Caetité. Quais são suas principais memórias da infância?
Waldick Soriano - Sabe que da infância a gente lembra toda hora, né. Eu fui criado na fazenda, mexendo com gado, na roça. As melhores recordações da vida são da infância, porque tudo é bom, tudo é bacana. Minha única recordação triste da infância foi de quando eu perdi minha mãe. Eu tinha dez anos. Mas, na verdade, eu perdi a minha mãe quando tinha cinco anos. Ela se separou do meu pai e foi morar em São Paulo.






G1 – Seu pai trabalhava com o quê?
Soriano - Com fazenda, mas também com pedras preciosas. Eu fui lapidário, morei seis anos em Belo Horizonte, antes de ser cantor. Eu era cantor de boate, essas coisas. Eu já era cara-de-pau. Eu comecei a cantar profissionalmente em São Paulo só. Antes eu cantava mais por cantar, mas já tinha muitas composições.






G1 – O sr. estudou?
Soriano - Fiz só o primário. Mas o primário daquela época valia por um colegial, curso superior qualquer. Tem uma coisa, minha filha: o mundo ensina muito. E o meio que eu vivo também.





G1 – E antes de ser cantor, trabalhou com o quê?
Soriano -
Trabalhei em fazenda, em garimpo, fui chofer de caminhão, fui muita coisa. Do interior eu fui tudo.







G1 – Qual foi o pior trabalho que o sr. fez?
Soriano - O pior foi o garimpo, é muito perigoso, os garimpos que a gente trabalhava eram no meio do deserto, a uns 400 km da minha cidade. Um deserto, minha filha, que onça urrava na tua cara. É, mas naquele tempo eu era o maior "tarzã", não tinha medo de nada, não.





Eu passei dois anos num garimpo, dois anos sem ver uma mulher. A salvação foi que meu pai mandou uma mula pra lá. Eu trabalhava com uns 20 homens em uns buracos de 20, 30 metros. Muitos morreram já. Garimpo mata muita gente, minha filha. A gente morava num ranchinho beira-chão, dormia em cama de vara. A gente mesmo que fazia a comida. A comida chamava-se "pedregulho": colocávamos o feijão, o arroz, o toicinho, tudo o que tivesse no caldeirão e misturávamos.







G1 - E naquela época o sr. já pensava em ser cantor?
Soriano - Claro, o meu sonho foi sempre ser cantor. Eu sempre fui acordeonista. Acordeonista se fala aqui, né. Lá era sanfoneiro, mesmo.






G1 - E quando você decidiu ir pra São Paulo?
Soriano - Eu decidi de uma hora pra outra. Falei para o meu pai, “olha, eu vou tentar minha vida. Se não der certo, eu não volto mais”. Mas graças a Deus deu certo. Acho que ele rezou muito.






G1 - E de onde surgiu a idéia de usar esse estilo de calça e chapéu pretos?
Soriano - É que lá na minha terra, uma vez, um amigo meu me falou "rapaz, sabe que filme vai passar aí? um filme com o Durango Kid". Eu sempre gostei muito de faroeste, assisti e gostei. Meu pai nessa época tinha uma loja de tecido. Fui lá, mandei fazer a roupa, comprei um óculos "ray-ban" vagabundo e um cavalo igualzinho. Fui pro meio da praça da cidade vestido assim. Cheguei lá, achando estava agradando e um monte de estudante me vaiou. Eu meti o cavalo em cima deles. Aí a partir daí, eu passei a usar só essa roupa preta.








G1 – Qual foi seu grande primeiro sucesso?
Soriano – Foi uma música chamada "Quem és tu". Depois veio "Tortura de amor" e "Fujo de ti". Com essa última eu recebi um prêmio por ser uma das mais tocadas nos EUA. Minhas músicas fizeram sucesso em vários países. Meu primeiro sucesso estourou no Nordeste. "Paixão de um homem" que estourou no país inteiro.








G1 – O sr. disse uma vez, lá pela década de 1970, que Jesus era um arruaceiro.
Soriano – Ah, eu tava cachaçado, né? Isso foi em Porto Alegre. A imprensa lá me pichou, a igreja também. Mas aí eu mandei fazer uma carta pra todo mundo e eles me responderam e botaram culpa no jornal. Estava um pessoa, todos bebendo numa churrascaria. Um cara começou a falar em Cristo pra lá, Cristo pra cá. Aí eu falei: “Esse Cristo, ele foi malandro que nem eu, foi briguento”. Aí o jornal estava lá. Mas depois, quando voltei a Porto Alegre, fui muito bem recebido.








G1 – O sr. teve musicas que foram proibidas pela censura na época da ditadura?
Soriano – Tive, muitas. Essa mesmo "Fujo de ti", que foi sucesso lá fora, foi proibida aqui. Não sei por quê. Não fala nada de obsceno, nada. "Tortura de amor" também, porque falava em tortura.








G1 – Muitas músicas foram compostas no interior da Bahia?
Soriano – Sim, "Tortura de amor" foi uma delas. O poeta sempre tem uma tristeza interior, ele compõe e muitas vezes não sabe o porquê. No lugar que eu morava eu achava que não era o meu lugar. E era muito difícil sair.








G1 - E quando foi que compôs ‘Eu não sou cachorro não’?
Soriano – Acho que foi em 1974. Eu fui cantar em Natal, mas o avião atrasou em Recife. Meu musico gritou ‘Eu não sou cachorro não, rapaz. Esse vôo que não chega’. Eu criei a melodia da musica no caminho. Quando cheguei, pedi um caderno e já escrevi. Foi o maior sucesso.








G1 – Você foi muito criticado na sua profissão, não?
Soriano – Demais. Mas foi outro tempo. Hoje a crítica está mais cuidadosa, tem muito cantor ruim que ninguém critica. Naquela época era complicado. Isso incomodava, mas depois eu notei que cada vez que eles criticavam o sucesso aumentava. Participei de um programa chamado "Quem tem medo da verdade", era pra massacrar. Fizeram o Agnaldo Timóteo chorar e tudo.







Fui naquele programa e naquele tempo eu andava armado! Estava a Ângela Maria, o Agnaldo Rayol, tinha um padre e eu era o réu. Eles faziam perguntas sobre mim e quando chegou na vez do padre, ele disse "eu conheço ele lá de Pernambuco, já deflorou muita menina lá". Eu meti a mão no revolver e ‘pá’. Não ficou ninguém lá. Quando acendeu a luz, eu saí. Se fosse hoje, eu seria preso! Depois me convidaram e eu voltei ao programa. Todos disseram que não tinham nada a falar de mim.








G1 – Muita gente chama sua musica de cafona, brega. Como isso começou?
Soriano – Cafona, eles diziam, era a minha maneira de trajar. Agora, por ignorância dessa nova geração, tacham uma musica romântica de brega. Eu sempre falo que a nova geração não sabe o que é brega.








G1 – O que é brega?
Soriano – Cabaré. A gente falava ‘vambora pro brega’, era ir pro cabaré. E musica romântica não é isso.








G1 – Quais foram suas inspirações para cantar?
Soriano – Já me perguntaram isso. Eu digo que o cantor que eu mais admirei na minha vida é eu mesmo. Eu cantava muito Luiz Gonzaga, gostava muito.








G1 – Suas músicas falam muito de amor. Você sofreu muito por amor?
Soriano – Fiz muita gente sofrer. Infelizmente. Mas é da vida, quando a gente ama, a gente sofre. Eu passo dias aqui e sinto saudades da minha mulher, por exemplo. Acho que o tempo que passei sem amar ninguém eu passei melhor.







G1 – Como você conheceu a sua primeira mulher, a Maria José?
Soriano –
Conheci ela em Belém. Ela era muito bonita, muito carinhosa, muito bacana, muito compreensiva. Ela morreu depois de dois meses que nos casamos. De leucemia. Se fosse hoje, não morria. Eu sofri muito.








Conheci ela no primeiro show que eu fui fazer em Belém. Nos envolvemos e ela foi morar comigo em São Paulo. Ela era prostituta antes. Mas antes era muito diferente. A prostituta naquele tempo era mais séria do que as moças de hoje. Para você chegar num cabaré você tinha que namorar com uma mulher daquelas. Não era chegar e pronto. Hoje não, com qualquer dinheirinho você pega qualquer mulher. Hoje a mulher está muito banalizada.








G1 - Você fez shows em boates famosas do Rio, não?
Soriano - É, na Flag. Foi uma beleza. Naquele tempo foi até capa da [revista] "Manchete". O publico de lá era só elite mesmo, só gente famosa. Só tinha aquele povo de casaco, chique.







G1 - Como foi o convite para fazer o documentário ["Waldick - sempre no meu coração", de Patricia Pillar?

Soriano - Foi ótimo. Vai ser muito bom fazer isso, vai ser uma coisa que vai ficar pra sempre.











http://g1.globo.com/Noticias/Musica/0,,MUL748004-7085,00-LEIA+UMA+ENTREVISTA+INEDITA+COM+WALDICK+SORIANO.html







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