Karla Machado
Do Diário OnLine
No prazo de três meses, a terceira língua mais falada do mundo sofrerá mudanças. O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, sancionado pelo presidente Lula na última segunda-feira (29), altera as regras do hífen, incorpora ao alfabeto as letras k, w e y e extingue o uso do trema (veja mudanças abaixo). A principio, as regras serão obrigatórias apenas em documentos do governo e na mídia. A partir de 2012, porém, todos terão de escrever conforme a nova norma. Em meio a tantas mudanças, especialistas consultados pelo 'Diário OnLine' ajudam a entender quais serão os impactos da reforma em nosso cotidiano.
A intenção do acordo, em tese, é unificar o idioma nos oito países em que se fala português — Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, Brasil e Portugal —, provocando, assim, uma maior integração entre essas culturas. Na prática, as alterações visam simplificar a escrita. "A simplificação e unificação ortográfica trarão inúmeros benefícios para a comunidade lusófona. A simplificação do emprego do idioma vai possibilitar o incremento das relações culturais entre nós", apontou o acadêmico Marcos Vilaça, que presidiu a ABL (Academia Brasileira de Letras) entre 2006 e 2007.
A professora e doutora em Língua Portuguesa Sonia Margarida Prado de Souza, da Uniban, em contrapartida, acredita que a reforma não contribuirá para intensificar a intimidade do brasileiro com o idioma. "Não é pela suposta simplificação que você aprende uma língua. É questão de método, de leitura", analisa. Crítica da reforma, a docente também não vislumbra a internacionalização do português, como acreditam os entusiastas do Acordo. "Uma língua não se internacionaliza pela ortografia, mas sim pelo conteúdo, arte e literatura. O inglês é a língua mais intercionalizada do mundo e tem cerca de oito variantes", cita.
A mesma opinião é compartilhada pela professora de Letras da Universidade Metodista de São Paulo Edna Barian Perrotti, autora do livro "Superdicas para escrever bem" (Ed. Saraiva). Para ela, as diferenças hoje existentes entre o português do Brasil e o de Portugal não são empecilhos para a compreensão de ambas as literaturas. "Quando um brasileiro que está lendo um livro português se depara com a palavra acto, por exemplo, ele pode achar estranho, mas sabe que significa ato", pondera. Para os portugueses, caem as letras não pronunciadas, como o "c", em acto, e o "p", em excepto e baptismo. "Jamais a ortografia será impedimento para ler (José) Saramago e Machado de Assis", complementa Sonia.
Lacunas - No total, 0,45% das palavras brasileiras sofrerão alterações, ao passo que em Portugal haverá mudanças em 1,6% dos vocábulos. Assim como aconteceu em 1971, quando ocorreu a última reforma, levará cerca de três anos para que as pessoas se habituem à nova escrita. A maior dificuldade, revelam especialistas, será superar as lacunas existentes no Acordo, como no caso do hífen.
Apesar da tentativa de simplificação, o emprego do sinal gráfico ainda gera dúvidas. "Ainda há uma série de regras, exceções que você já tinha na regra anterior", ressalta a professora de letras Edna Perrotti. Um exemplo citado pela educadora é o caso da palavra extra-escolar, que passará a ser extraescolar. "Quando há um prefixo que termina em vogal e a outra palavra começa com uma vogal diferente, você vai passar a escrever como uma palavra só, mas você continua a ter que decorar."
A oralidade de algumas palavras também tende a ser prejudicada com a reforma, que abrange apenas a grafia das palavras, não mudando em nada a fonética, sintaxe e semântica. "O trema, apesar de mesmo hoje não ser usado pelos alunos, tem razão de ser. Ele orienta a leitura", diz Sonia. Edna ilustra: "Uma pessoa que não conheça detrminada palavra, vai ler algumas, sem o trema, como lingüística, por exemplo, de forma inadequada."
De 2009 até 31 de dezembro de 2012, ou seja, durante quatro anos, o País terá um período de transição, no qual ficam valendo tanto a ortografia atual quanto as novas regras. Assim, concursos e vestibulares deverão aceitar as duas formas de escrita: a atual e a nova.
Mesmo com a adesão às novas regras, a grafia de algumas palavras ainda é incerta. A definição depende da publicação do novo vocabulário por parte da ABL, o deve acontecer em breve.
Veja quadro completo das mudanças:
ALFABETO
As letras K, W, Y serão incorporadas definitivamente ao alfabeto usado na Língua Portuguesa, passando de 23 para 26 letras.
TREMA
Será abolido, exceto no caso de nomes próprios e seus derivados.
HÍFEN
Não se usará mais:
- quando o segundo elemento começa com s ou r, devendo estas consoantes ser duplicadas, como em "antirreligioso", "antissemita", "contrarregra", "infrassom". Exceção: será mantido o hífen quando os prefixos terminam com r -ou seja, "hiper-", "inter-" e "super-"- como em "hiper-requintado", "inter-resistente" e "super-revista";
- nas ocasiões em que o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa com uma vogal diferente. Exemplos: "extraescolar", "aeroespacial", "autoestrada".
ACENTO DIFERENCIAL
Não se usará mais para diferenciar:
- "pára" (flexão do verbo parar) de "para" (preposição);
- "péla" (flexão do verbo pelar) de "pela" (combinação da preposição com o artigo);
- "pólo" (substantivo) de "polo" (combinação antiga e popular de "por" e "lo");
- "pélo" (flexão do verbo pelar), "pêlo" (substantivo) e "pelo" (combinação da preposição com o artigo);
- "pêra" (substantivo - fruta), "péra" (substantivo arcaico - pedra) e "pera" (preposição arcaica).
ACENTO CIRCUNFLEXO
Não será usado nos seguintes casos:
- nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo dos verbos "crer", "dar", "ler", "ver" e seus derivados. A grafia correta será "creem", "deem", "leem" e "veem";
- em palavras terminadas em duplo "o", como "enjôo", que se transforma em "enjoo".
ACENTO AGUDO
Desaparece nos casos abaixo:
- nos ditongos abertos "ei" e "oi" de palavras paroxítonas, como "assembléia", "idéia", "heróica" e "jibóia";
- nas palavras paroxítonas, com "i" e "u" tônicos, quando precedidos de ditongo, como "feiúra" e "baiúca" que passam a ser grafadas "feiura" e "baiuca";
- nas formas verbais que têm o acento tônico na raiz, com "u" tônico precedido de "g" ou "q" e seguido de "e" ou "i", como averigúe (averigue), apazigúe (apazigue) e argúem (arguem).
GRAFIA
No português lusitano:
- desaparecerão o "c" e o "p" de palavras em que essas letras não são pronunciadas, como "acção", "acto", "adopção", "óptimo" -que se tornam "ação", "ato", "adoção" e "ótimo";
- será eliminado o "h" de palavras como "herva" e "húmido", que serão grafadas como no Brasil -"erva" e "úmido".
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