Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
Quando o transatlântico Titanic fragorosamente
afundou, em 1912, houve rumores de que havia em sua carga uma fortuna em
dinheiro, joias e ouro. Era um mito. Quando o manifesto de carga do navio foi
descoberto, estava ali registrado que a carga consistia apenas de
matérias-primas: linho, palha, peles de animais, peças de carros, couro,
elásticos, perucas e equipamentos de refrigeração.
A vida também é semelhante. Algumas pessoas são reverenciadas e honradas pela
riqueza e poder que possuem, até que o “manifesto de carga” de seu patrimônio
moral seja finalmente revelado.
Há tão fartos exemplos na vida, tão exaustivamente esmiuçados, que se torna
desnecessário voltar a mencioná-los. Mas, infelizmente, há de se fazer notar
que, como resultado de uma equivocada inversão de valores, não poucas pessoas
acham que alguém deva ser honrado e reverenciado simplesmente por ser rico e
poderoso, mesmo que seja ímpio e reprovável.
Por outro lado, se uma pessoa vive uma vida honrada
e bem disciplinada, é considerada por muitos como menos digna de consideração,
se for pobre. Mas com o tempo, quando o “manifesto de carga” moral de cada um é
encontrado, revela finalmente qual vida contém algo de valor duradouro, ou nada
que valha a pena.
Como podemos avaliar o significado de nossas vidas e o tesouro que elas contém?
Todos sabemos que bem no fundo do nosso ser algo nos diz que tal coisa não pode
ser medida em termos de riqueza, fama ou poder.
Jesus ensina que uma pessoa é conhecida pelas suas
atitudes na vida: “Pelos seus frutos os conhecereis. Assim, toda árvore boa
produz bons frutos, porém a árvore má produz frutos maus” (Mt 7.16,17).
Conta-se a história de uma dedicada serva de Deus que, embora frágil, tinha
forças para cuidar dedicada e amorosamente de doentes terminais de várias
moléstias. Um rico proprietário de uma companhia de petróleo, que a visitava e
queria destinar uma generosa doação àquele fim, lhe disse: “Irmã, eu não faria
isso por dinheiro nenhum no mundo”. Ao que a franzina mulher respondeu: “Nem
eu”.
O “manifesto de carga” da sua vida demonstrou que o
seu tesouro era servir aos outros e isso não tinha preço.
Há pessoas que tentam a todo custo alardear suas virtudes e acabam por se
tornar alvos fáceis do patrulhamento de gratuitos plantonistas da virtude, que
procuram mostrar somente seus defeitos, o pior “manifesto de carga” possível,
como se nada mais houvesse de bom ou valoroso naquela vida.
Os discípulos de Jesus gastavam muito tempo tentando descobrir qual deles seria
o maior. Jesus falou-lhes repetidas vezes que o maior dentre eles seria quem
mais servisse, não o contrário. E acrescentou dizendo que Satanás havia
reclamado o direito de “peneirá-los como trigo”, mas que Ele mesmo havia orado,
especialmente por Pedro, para que a sua fé não desfalecesse quando o “manifesto
de carga” moral da sua vida fosse finalmente demonstrado (Lc 22.31).
Essa peneiração tinha o sentido de deixar cair o trigo (o bom de suas vidas) e
soltar ao vento toda a palha (o que não prestava). Os discípulos aprenderam
essa dura lição e, tempos depois, puderam demonstrar ao mundo o tesouro de
valores morais e espirituais que Jesus construíra em suas vidas.
Há
situações em que ninguém encontrará nada de errado numa vida, mas mesmo assim
dará um jeito de criar situações embaraçosas. Foi assim com Jesus. Por inveja
enviaram soldados para prendê-lo, mas estes voltaram dizendo: “Jamais alguém
falou como este homem” (Jo 7.46). O “manifesto de carga” moral da Sua vida
dizia que Ele era digno e santo: “Cristo sofreu em
vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos, o qual não
cometeu pecado, nem dolo algum se achou em sua boca” (1 Pe 2.22).
Foi assim também com Daniel, que tinha uma alta posição na corte de Babilônia.
Quando o reino babilônico caiu, conquistado pelo medo-persa Dario, este queria
colocá-lo como primeiro-ministro. “Então, os presidentes e os sátrapas
procuravam ocasião para acusar a Daniel a respeito do reino; mas não puderam
achá-la, nem culpa alguma; porque ele era fiel, e não se achava nele nenhum
erro nem culpa” (Dn 6.4).
Então eles forjaram uma lei que ordenava que por
trinta dias ninguém poderia pedir coisa alguma a nenhuma outra pessoa ou deus,
só ao rei. Então, a “CPI Babilônica” achou a única acusação contra Daniel: ele
orava a Deus três vezes ao dia.
O julgamento da História é implacável. O “manifesto
de carga” moral de uma vida será a palavra final do tipo de tesouro que
representou toda a sua existência.
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