Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
Uma foto tirada por um jornalista inglês, no início de 1990, ilustra grotescamente uma inominável parábola da indignidade da fome. Um mirrado garotinho africano sentado, só pele e ossos, cabeça grande, barriga dilatada, olhos inchados, abandonado, esperando a morte. Ao seu lado, cerca de três metros, um enorme abutre aguarda pacientemente a sua próxima “comida”. O jornalista registra, mas tem de fugir por causa da guerra e da fome. Tempos depois, deprimido, ele se suicidou. Essa foi a sua forma de esquecer que a fome é algo indigno, uma afronta, um pecado de injustiça.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos diz: “Todos têm direito à vida... e têm direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe bem-estar, inclusive alimentação”. Na maioria dos países, a Constituição assegura como princípio humanista basilar “a dignidade da pessoa humana”. Principalmente a de países pobres, como o Brasil, nos Direitos Sociais, procura afirmar o direito a uma renda mínima que atenda, inclusive, à sua necessidade de alimentação. Isso passa obviamente pelo direito de ter um prato de comida. Mas quase ninguém liga.
Há 15 anos, por ocasião da Cúpula Mundial da Alimentação, líderes de 186 países propuseram uma primeira meta, ao mesmo tempo ambiciosa e modesta: reduzir o número de pessoas que sofrem de desnutrição de 800 milhões para 400 milhões, até 2015.
Porém, para atingir tal alvo, seria necessário que esse número recuasse 22 milhões por ano. Mas a diminuição não passou de 6 milhões por ano. Hoje, há cerca de 1 bilhão de pessoas que continuam a ir dormir de estômago vazio; milhares de crianças morrem, a cada dia, devido a consequências diretas ou indiretas da fome ou da subalimentação crônica.
Quando Jesus afirmou: “Não só de pão viverá o homem”, isso queria dizer, igualmente, que “também de pão viverá o homem”. Embora haja desigualdades sociais gritantes quanto ao básico para a sustentação da vida, em contrapartida, todos devem ter a dignidade de um prato de comida para suprir a própria necessidade de alimentar-se.
A Bíblia deixa bem claro em diversas passagens que Deus criou a terra com todos os requisitos para dotar o ser humano de farta alimentação e amplas condições de vida. Mas quem se importa?
Então, se há unanimidade em todas essas normas e orientações, por que há tanta discrepância social e, portanto, tanta fome? Destaco entre as muitas, duas razões: primeiro, porque “todos são iguais perante a lei, mas desiguais diante do juiz”. Segundo, porque a fome, como a morte, se tornou algo muito banal e poucos ligam. Por isso alguns continuam comendo muito e outros morrem de fome. E a vida continua.
Alguns quase não comem, pois já comeram muito e, agora, por estarem gordos demais, precisam fazer dieta; outros não comem por pura vaidade. Ainda outros, porque de fato nada têm para comer, não comem, ou quase. Alguns são preguiçosos, não querem trabalhar, e lhes serve o ditado: “Se alguém não quer trabalhar, também não coma” (2 Ts 3.10).
Outros tentam culpar a Deus pela fome no mundo. Mas não lembram que são gastos bilhões com armas, mas, proporcionalmente, muito pouco com ajuda humanitária. Não lembram que o desperdício de comida, jogada no nosso “lixo-rico”, é uma afronta velada aos que, nos aterros sanitários, os catam para sobreviver. Não recordam que, por causa da guerra de preços, m muitos países, pobres e ricos, muito alimento é sistematicamente jogado fora.
No início deste século, a revista Time, em extensa reportagem, apontou: “Enquanto contemplamos os quilos extras que todos nós ganhamos nas nossas festas: 1,1 bilhão da população mundial está obesa (aproximadamente o mesmo número de subnutridos); 51% dos britânicos são obesos; na Rússia, 54%; nos EUA, 61%; no Brasil, 36%. E 95% dos americanos fazem dieta para perder peso, mas fracassam; e 400 mil recorreram à lipoaspiração em 1998”.
Quando vemos os famintos do continente africano, os nordestinos vítimas da seca, os ribeirinhos, os favelados de todos os lugares, enfim, e a maioria assiste impassível, acostumada, e apenas poucos se movimentam para ajudar, talvez se aplique a essa maioria impassível o veredicto de Jesus: “Tive fome e não me deste de comer” (Mt 25.42).
À medida que os “sensíveis” notarem que “também de pão viverá o homem” e se importarem com os que sofrem, se habilitarão a ouvir de Jesus: “Sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes”.
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