Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
Antes do início de cada partida da Copa do Mundo, um pouco antes da execução dos hinos nacionais das equipes, uma bandeira amarela desfila logo à frente com uma expressão bem vistosa: Fair-Play. Esta é uma expressão inglesa que quer dizer literalmente “jogo limpo”. A mensagem é que não bastam as dezessete regras do futebol (a letra da lei fria e impessoal), é preciso o “espírito da lei”, ou digamos, os princípios que lhe dão vida e coerência.
A FIFA explora o “Fair-Play” como ninguém. Os exemplos práticos vão desde um pedido de desculpa por uma falta cometida, a reverência à marcação plenipotenciária do árbitro, ou o respeito por um jogador do time adversário, quando alguém cai machucado e a bola é chutada para fora do campo para que o mesmo seja atendido. Depois que tudo volta ao normal, a posse da bola é devolvida ao adversário, e o jogo continua. Assim, não basta saber que no futebol “a regra é clara”, é preciso o espírito da lei que torna a disputa ferrenha em algo digno de pessoas civilizadas.
Assim é também na vida. Ela tem regras, tem leis; mas é necessário espírito de “Fair-Play”. Isso fica muito mais evidente quando vemos que, a despeito de sermos tidos como um país repleto de leis para tudo, elas são sistematicamente desobedecidas e vilipendiadas, ou são pouco funcionais.
Jesus estabeleceu o princípio do “Fair-Play” da vida, quando disse: “Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles” (Mt 7.12). Na visão de Jesus, não bastaria cumprir a lei, nem deixar de fazer o mal ao próximo; era necessário fazer aos outros o próprio bem que desejássemos a nós mesmos.
Paulo disse: “O atleta não é coroado se não lutar segundo as normas” (2 Tm 2.5). Isso quer dizer que, em última instância, alguém tem a capacidade de julgar se a pessoa infligiu ou não a regra. Quem julga a lei é o juiz. E quando se trata de esportes e juízes humanos falíveis, erros acontecem.
Isso ficou patente nesta Copa, marcada por péssimas arbitragens de juízes despreparados. Isso pode acontecer também na vida, pois juízes humanos podem proferir sentenças injustas. Mas quando partimos do princípio de que Deus, o Justo Juiz, um dia irá pesar todos os nossos atos na Sua “balança” aferida pela verdade e retidão, cumprir normas e jogar limpo não é sequer uma questão de preferência; é mera obrigação.
Todavia, é preciso agregar ao dever de justiça o amor que lhe dá consistência. Se quisermos, pois, pautar a nossa vida no “Fair-Play”, é imprescindível que não deixemos aos outros a determinação da nossa atitude. Essa é uma faceta prática do amor. Por isso Paulo ensinou: “O amor seja sem hipocrisia. Detestai o mal, apegando-vos ao bem. Não torneis a ninguém mal por mal; esforçai-vos por fazer o bem perante todos os homens. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem” (Rm 12.9,21).
Tal qual ilustra o conto do filósofo que viu um escorpião sendo arrastado pelas águas do rio. O filósofo meteu-se na água e tomou o bichinho na mão. Quando o trazia para fora, o escorpião o picou e, devido à dor, o homem deixou-o cair novamente. Foi então à margem, pegou um galho e salvou o escorpião.
Ao juntar-se aos seus discípulos, um destes, perplexo e penalizado, lhe perguntou: “Mestre, por que foi salvar esse bicho ruim e venenoso? Veja como ele respondeu à sua ajuda e picou a sua mão!” O filósofo ouviu tranquilamente e respondeu: “Ele agiu conforme sua natureza e eu de acordo com a minha”.
Mais do que de normas, portanto, é preciso aprender a jogar limpo. Do contrário, podemos nos transformar em meros fariseus, ortodoxos de letra e de doutrina, mas libertinos na prática e nas atitudes. Jesus disse: “Se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus” (Mt 5.20).
Essa atitude de exceder o farisaísmo latente em nossas vidas tem a ver com a atitude espiritual do “Fair-Play”.
No jogo da vida é bom querer ganhar. Mas ganhar não é tudo. “Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” (Mt 16.26).
E como estamos tratando de Fair-Play, parabéns à Holanda!
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