Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
Um estudante se prepara mal para um concurso, mas, na hora da prova, suplica que Deus o ajude a passar. Um motorista atrasado passa várias vezes na mesma rua, tentando achar um lugar para estacionar. Cansado, pede que Deus lhe mande um anjo para arrumar uma vaga de estacionamento. Um atleta, cujo time mal treinado está perdendo, fala aos companheiros: “Vamos orar com fé para Deus nos dar a vitória”. Um empregado sai costumeiramente atrasado para o trabalho, mas pede oração aos familiares para Deus o fazer chegar no horário e não perder o emprego. Um executivo parte para a mais importante apresentação de vendas de sua companhia. Como não se preparou suficientemente, pede aos “irmãos” que orem para ele ter sucesso e suplantar os concorrentes.
O que há em comum nesses exemplos é que a maioria dos “santos” já teve, em maior ou menor grau, esse comportamento egoísta. Algumas pessoas pensam em Deus como um agente de mudanças sobrenatural, que está à disposição para responder a todos os seus caprichos; ou ainda, um tipo de “gênio da lâmpada” divino que se põe diante deles para satisfazer-lhes os desejos.
Indubitavelmente, isso é um reflexo de nosso tempo, da nossa cultura pós-cristã e pós-moderna. Quando dizemos pós-cristã, não estamos falando que as pessoas não mais professem ser cristãs, ou que não frequentem mais a igreja, pois a maioria faz ambas as coisas. Antes, afirmamos que a maior parte das culturas ocidentais não mais confia nas verdades cristãs – nem como a base de sua fé e prática, nem de sua ética pública ou de seu senso de moralidade.
Quando dizemos pós-moderna, isso significa que há uma resistência cabal não somente às reivindicações de verdades cristãs, mas a qualquer tipo de reivindicação da verdade. O pós-modernismo rejeita qualquer noção de verdade universal e absoluta e reduz todas as ideias a meras elaborações sociais.
Sendo assim, tendo uma sociedade voltada para valores cada vez mais egocêntricos e humanistas, foca-se não mais a soberania de Deus, mas a supremacia do ser humano. Não é de estranhar que muitas igrejas estejam cheias de pessoas ávidas para que Deus dê um jeito em suas vidas e se vire para atender aos seus caprichos egoístas.
A mensagem mais ouvida, hoje em dia, não é sobre a nossa necessidade de arrependimento e busca da salvação em Jesus; muito pelo contrário, ouve-se que Deus existe para realizar os nossos desejos e necessidades, aliviar o nosso sofrimento, e tornar a nossa vida o mais agradável possível.
Esta imagem de Deus pode até ser proveniente de algum romance secular, ou de algum pregador neófito ou inescrupuloso, mas não das Escrituras Sagradas. Além disso, essas tentativas de manipulação de um Deus Soberano e Todo-poderoso, cuja finalidade é servir aos próprios propósitos egoístas, podem até ter um verniz de teologia, mas não passam de um insulto ao Senhor.
Jesus nos ensinou a pedir. Tiago, o irmão de Jesus, afirma que pedidos egoístas podem ser responsáveis por intrigas e contendas entre pessoas: “Cobiçais e nada tendes; matais, e invejais, e nada podeis obter; viveis a lutar e a fazer guerras. Nada tendes, porque não pedis; pedis e não recebeis, porque pedis mal, para esbanjardes em vossos prazeres” (Tg 4.1-4; Mt 7.7). Tiago acrescenta que esse comportamento mundano se constitui “inimizade contra Deus”.
O fato é que as pessoas preocupadas com tais pedidos egocêntricos têm uma visão muito superficial de Deus e pouco sabem sobre o Seu propósito de redenção da humanidade. A motivação maior da oração não é o mero exercício espiritual, tampouco conseguir que Deus faça coisas por nós ou por outros; antes, oração é o meio de um efetivo relacionamento com Deus.
Jesus passava noites inteiras em oração, buscando principalmente manter a comunhão com o Pai. Na oração conhecida como “Pai Nosso”, ensinada por Jesus, vê-se que o interesse na comunhão com Deus e no cumprimento de Sua vontade na terra vem antes do suprimento de nossas próprias necessidades. (Mt 6.9)
À medida que nos aproximamos de Deus e buscamos uma íntima comunhão com Ele, as nossas orações serão voltadas menos para nós mesmos. Aí, então, buscaremos muito mais a Sua glória e nos subordinaremos à Sua perfeita vontade, em vez de nos atermos aos pedidos egoístas.
A comunhão é, por assim dizer, o fio que liga a nossa alma à bateria do poder de Deus. Quando o fio está desligado, os nossos pedidos não passam de conversa ao vento. Quando ligado, descobrimos que o privilégio de ter comunhão com Deus é que dá real sentido e valor à vida.
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