Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém
Na
história de Israel, Gideão foi o protagonista que libertou o povo do
jugo de sete anos de opressão dos midianitas. Reconhecido como líder,
ele foi convidado pelo povo para ser seu rei; mas recusou, dizendo que
somente o Senhor Deus reinaria sobre eles. Foi então que Abimeleque,
filho de Gideão, se aproveitou desse vácuo de liderança para matar os
próprios irmãos e se fazer rei. Porém, Jotão, o mais moço, escapou.
Depois,
o jovem Jotão, de um alto monte, proferiu um apólogo, ou seja, uma
historieta que ilustra uma lição de sabedoria e cuja moralidade é
expressa como conclusão. Ei-lo:
“Foram
certa vez as árvores a ungir para si um rei, e disseram à oliveira:
Reina sobre nós. Porém a oliveira lhes respondeu: Deixaria eu o meu
óleo, que Deus e os homens em mim prezam, e iria pairar sobre as
árvores? Então disseram as árvores à figueira: Vem tu, e reina sobre
nós. Porém a figueira lhes respondeu: Deixaria eu a minha doçura, o meu
bom fruto, e iria pairar sobre as árvores? Então disseram as árvores à
videira: Vem tu, e reina sobre nós. Porém a videira lhes respondeu:
Deixaria eu o meu vinho, que agrada a Deus e aos homens, e iria pairar
sobre as árvores. Então todas as árvores disseram ao espinheiro: Vem tu,
e reina sobre nós. Respondeu o espinheiro às árvores: Se realmente me
ungis rei sobre vós, vinde, e refugiai debaixo da minha sombra” (Juízes
9.7-21).
O moral da história fica claro quando se compara a resposta de Gideão e
se acompanha o desastroso reinado do egoísta e despreparado Abimeleque.
A vocação de Gideão, ele bem o sabia, era apenas de libertar o povo,
pois para isto fora chamado por Deus, não para ser rei. A ilustração dos
diversos tipos de árvores indica que cada pessoa tem que ser fiel à sua
vocação, pois disso depende o reconhecimento de Deus e dos homens às
obras de toda uma vida.
De
modo oposto, quando isto não é observado, torna-se necessário engendrar
enganos, como o do espinheiro oferecendo sombra, ele que sombra não
produz. Isto ilustra, igualmente, que é a vocação, e não a esperteza, o
elemento motivador de carreiras, cujo resultado mais provável é a
colocação da pessoa certa no lugar correto.
Esse
é um dos maiores desafios da nossa sociedade: encontrar a pessoa certa
para cada posição. Em qualquer área que se pense, quer seja no mundo
corporativo empresarial, ou no âmbito religioso, ou no bojo da vida
política, deslizes que possibilitem colocar pessoas despreparadas em
posições de comando produzirá resultados desastrosos.
A nossa sociedade pragmática e voltada ao lucro pessoal, que preza mais
a performance que o caráter, tem perdido de vista essa característica
essencial de ver na vocação o elemento inicial de carreiras que primem
por servir a sociedade, e não por espoliá-la. Ao observarmos certos
fatos marcantes da vida nacional, percebe-se que há algo de muito torto
neste quesito.
Quando
não poucos policiais se imiscuem em atividades ilegais, matam e roubam,
ao invés de promoverem a segurança e cumprirem as leis que juraram
defender; quando juízes são flagrados vendendo sentenças, em vez de
serem imparciais e justos; quando políticos são comprados para mudar de
partido ou recebem vantagens para aprovarem leis, ao invés de honrarem o
mandato para o qual foram eleitos; quando professores fingem ensinar e
alunos fingem estudar, em vez de ajudarem a mudar o país através da
educação — apenas para citar alguns exemplos mais notáveis e menos
recomendáveis — isto mostra que algo precisa de correção.
Estamos fartos de ver pessoas nos lugares errados, só porque tiraram
proveito de alguma situação. Por exemplo, quando um líder passa a vida
defendendo a justiça e o direito, apenas porque está em desvantagem; mas
depois, no poder, vive como se acima destes estivesse, ele só provou
que é oportunista e que, portanto, está no lugar errado.
Uma visão equivocada da vida, com pessoas ocupando espaços que não lhes
pertencem, por esperteza e não por vocação, gera uma sociedade plena de
ineficiência. Assim, quando algum membro da sociedade está no lugar
errado, obviamente fazendo as coisas com ineficiência e desonra ou
somente não agindo com a eficiência e honra que lhe são requeridas, isso
gera um desequilíbrio que facilmente pode resultar em tragédia. Basta
olhar governantes corruptos e as resultantes mazelas sociais como
exemplo.
Essas
distorções fazem jus ao que preconiza o dito popular: “Quando se vê um
jabuti numa árvore, ou foi enchente ou alguém o colocou lá”.
E-mail: samuelcamara@boasnovas.tv
domteicos@gmail.com
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