sábado, 3 de setembro de 2011

A tragédia de estar no lugar errado






       Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém

      

Na história de  Israel, Gideão foi o protagonista que libertou o povo do jugo de sete anos de opressão dos midianitas. Reconhecido como líder, ele foi convidado pelo povo para ser seu rei; mas recusou, dizendo que somente o Senhor Deus reinaria sobre eles. Foi então que Abimeleque, filho de Gideão, se aproveitou desse vácuo de liderança para matar os próprios irmãos e se fazer rei. Porém, Jotão, o mais moço, escapou.

Depois, o jovem Jotão, de um alto monte, proferiu um apólogo, ou seja, uma historieta que ilustra uma lição de sabedoria e cuja moralidade é expressa como conclusão. Ei-lo:

“Foram certa vez as árvores a ungir para si um rei, e disseram à oliveira: Reina sobre nós. Porém a oliveira lhes respondeu: Deixaria eu o meu óleo, que Deus e os homens em mim prezam, e iria pairar sobre as árvores? Então disseram as árvores à figueira: Vem tu, e reina sobre nós. Porém a figueira lhes respondeu: Deixaria eu a minha doçura, o meu bom fruto, e iria pairar sobre as árvores? Então disseram as árvores à videira: Vem tu, e reina sobre nós. Porém a videira lhes respondeu: Deixaria eu o meu vinho, que agrada a Deus e aos homens, e iria pairar sobre as árvores. Então todas as árvores disseram ao espinheiro: Vem tu, e reina sobre nós. Respondeu o espinheiro às árvores: Se realmente me ungis rei sobre vós, vinde, e refugiai debaixo da minha sombra” (Juízes 9.7-21).
       
O moral da história fica claro quando se compara a resposta de Gideão e se acompanha o desastroso reinado do egoísta e despreparado Abimeleque. A vocação de Gideão, ele bem o sabia, era apenas de libertar o povo, pois para isto fora chamado por Deus, não para ser rei. A ilustração dos diversos tipos de árvores indica que cada pessoa tem que ser fiel à sua vocação, pois disso depende o reconhecimento de Deus e dos homens às obras de toda uma vida.

De modo oposto, quando isto não é observado, torna-se necessário engendrar enganos, como o do espinheiro oferecendo sombra, ele que sombra não produz. Isto ilustra, igualmente, que é a vocação, e não a esperteza, o elemento motivador de carreiras, cujo resultado mais provável é a colocação da pessoa certa no lugar correto.

Esse é um dos maiores desafios da nossa sociedade: encontrar a pessoa certa para cada posição. Em qualquer área que se pense, quer seja no mundo corporativo empresarial, ou no âmbito religioso, ou no bojo da vida política, deslizes que possibilitem colocar pessoas despreparadas em posições de comando produzirá resultados desastrosos.
       
A nossa sociedade pragmática e voltada ao lucro pessoal, que preza mais a performance que o caráter, tem perdido de vista essa característica essencial de ver na vocação o elemento inicial de carreiras que primem por servir a sociedade, e não por espoliá-la. Ao observarmos certos fatos marcantes da vida nacional, percebe-se que há algo de muito torto neste quesito.

Quando não poucos policiais se imiscuem em atividades ilegais, matam e roubam, ao invés de promoverem a segurança e cumprirem as leis que juraram defender; quando juízes são flagrados vendendo sentenças, em vez de serem imparciais e justos; quando políticos são comprados para mudar de partido ou recebem vantagens para aprovarem leis, ao invés de honrarem o mandato para o qual foram eleitos; quando professores fingem ensinar e alunos fingem estudar, em vez de ajudarem a mudar o país através da educação — apenas para citar alguns exemplos mais notáveis e menos recomendáveis — isto mostra que algo precisa de correção.
       
Estamos fartos de ver pessoas nos lugares errados, só porque tiraram proveito de alguma situação. Por exemplo, quando um líder passa a vida defendendo a justiça e o direito, apenas porque está em desvantagem; mas depois, no poder, vive como se acima destes estivesse, ele só provou que é oportunista e que, portanto, está no lugar errado.
       
Uma visão equivocada da vida, com pessoas ocupando espaços que não lhes pertencem, por esperteza e não por vocação, gera uma sociedade plena de ineficiência. Assim, quando algum membro da sociedade está no lugar errado, obviamente fazendo as coisas com ineficiência e desonra ou somente não agindo com a eficiência e honra que lhe são requeridas, isso gera um desequilíbrio que facilmente pode resultar em tragédia. Basta olhar governantes corruptos e as resultantes mazelas sociais como exemplo.

Essas distorções fazem jus ao que preconiza o dito popular: “Quando se vê um jabuti numa árvore, ou foi enchente ou alguém o colocou lá”.










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