sábado, 1 de setembro de 2007

Retrato de Jesus


Wanderlino Arruda
Dizem que foi, partindo de uma carta que o senador Publius Lentulus, pró-consul da Judéia, teria endereçado a Tibério César, em Roma, que os pintores do Renascimento se basearam para pin­tar o retrato de Jesus. Essa carta estaria, até hoje, arquivada em museu da cidade eterna, mas prova provada disso ninguém pôde fazer, o que é lamentável, pois seria um documento notável de descrição de traços pessoais e psicológicos feito por um homem in­teligente e muito observador. Ao longo do tempo, apareceram vá­rias versões desse escrito, sucintas, completas, mas todas bastan­te coerentes entre si, de modo a conservar a validade e uma possí­vel origem verdadeira. O mais interessante texto veio inserido em velho livro da literatura portuguesa, em que o autor diz haver co­piado da obra medieval, Vita Cristi, editado em língua arcaica, o que Ihe dá um sabor todo especial, curioso e riquíssimo em valores semânticos.


"Existe atualmente na Judéía um homem de uma virtude singular, a quem cha­mam de Jesus Cristo; os bárbaros têm-no como profeta; os seus sectários o adoram como sendo descendido dos deuses imortais. Ele ressuscita os mortos e cura os doentes, com a palavra ou com o toque; é de estatura alta e bem proporcionada; tem semblante plácido e admira vel; seus cabelos são de uma cor que quase se não pode definia caem-lhe em anéis até abaixo das orelhas e derramam-se-lhe pelos ombros, com muita graça, separados no alto da cabeça à maneira dos nazarenos."


"Sua fronte é lisa e larga e suas faces são marcadas de admirável rubor. O nariz e a boca são formado com admirável simetria; a barba, densa e de uma cor que cor­responde à dos cabelos, desce-lhe uma polegada abaixo do queixo e, dividindo-se pelo meio, forma mais ou menos a figura de um forçado':


"Seus olhos são brilhantes, claros e serenos, e o que surpreende é que resplan­decem no seu rosto como os raios do sol, porém ninguém pode olhar fixo o seu sem­blante, porque quando resplende, apavora e quando ameniza, chora, faz-se amar e é alegre com gravidade. Tem os braços e as mãos muito belos':


"Ele censura com majestade, exorta com brandura; quer fale, quer chore, fá-lo com elegância e com gravidade. De letras, faz-se admirar de toda a cidade de Jeru­salém; sabe todas as ciências e nunca estudou nada. Ele caminha descalço e sem coisa alguma na Cabeça. Muitos se riem, vendo-o assim, porém em sua presença, falando com ele, tremem e maravilham. Nunca o viram rir têm-no, porém, visto chorar muitas vezes. É sóbrio, muito modesto e muito casto. Enfim, é um homem que, por sua beleza e perfeição, excede os outros filhos dos homens".


No texto medieval, porém, há mais explicações, definindo cores e si­tuações. Por exemplo: "os seus caibelos era de avelhaã madura e chega­vã aas orelhas yguaes e chaãos e dally ao fundo quanto quer crispos e buros e Cobria e avanavã sobre os ombros. A testa chãa e muy clara e a façe sem enverrugadura nem magoa: a qual aformosentava a vermelhidon temperada".


Pelos dados, não é difícil concluir que os desenhistas e pintores do final da Idade Média ou já do pleno Renascimento não tiveram muita di­ficuldade em traçar o que, em termos modernos, poderíamos chamar de o primeiro retrato falado da história de uma personalidade realmente univer­sal. E eterna!

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