quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Porque deixei de ser "Cristão"


Jesus não era cristão, e que nem tampouco quis Ele fundar o Cristianismo, nem mesmo teve interesse em algo que se assemelhasse à civilização cristã, conforme nós a conhecemos de 332 de nossa era até hoje.


Jesus criou o caminho da fé na graça e no amor de Deus, o que deveria ser algo livre como o vento, e vivo e móvel como a água, algo muito, mais muito longe de uma proposta religiosa.

Tudo o que Jesus queria era que os discípulos continuassem discípulos, e que os apóstolos fossem os servos de todos; sem haver nem alguém maior, e muito menos, um lugar mais santo ou um centro de poder.

Jesus esperava que o poder do Espírito os fizesse sair em desassombro pelo mundo, pregando a Palavra da Boa Nova, ensinando singelamente os discípulos a serem de Jesus em suas próprias casas e culturas. Desse modo, se teria sempre um movimento hebreu, crescente, progressivo, livre, guiado pelo Espírito, e complemente semelhante ao que eles haviam vivido com Jesus durante o Caminho, naqueles três anos de estrada que construíram o Evangelho ao ar livre, nas praias da Galiléia, nos desertos da Judéia, nas passagens por Samaria, nas terras de Decápolis, e nos confins da Terra.

Alguém, com razão, diria que tal projeto não seria possível, visto que ninguém consegue viver sem um centro de poder. Entretanto, parece que ainda não se discerniu que o convite de Jesus é contrário a toda lógica de poder, e não propõe nada que não seja Hoje, e que não obriga a ninguém a pavimentar o futuro de Deus na Terra mediante a construção de alguma coisa duradoura.

Para Jesus, o duradouro era justamente aquilo que não se poderia pegar, nem fixar, nem pontuar, nem ser objeto de visitas turísticas, dada a sua impermanência num chão marcado pelas urinas dos mandões. Ele esperava que os discípulos fossem como o Mestre, e que aqueles anos de Caminho não ficassem cristalizados nas páginas dos registros dos evangelhos, mas que se tornassem um modo de ser de seus discípulos.

O poder dos discípulos, paradoxalmente, está em não ter poder. E o convite para que se morra a fim que se tenha vida, é também válido para a igreja, que - ao contrário do discípulo - quer mandar na vida, e controlar os homens e o mundo. Assim, pretendendo salvar a sua vida neste mundo, a igreja não só perde a sua própria vida, mas deixa de ganhar o mundo.

O que Jesus queria era uma multidão de seres-sal-e-luz se espalhando pela terra, e, se diluindo em sabores e luzes que só seriam sentidas, mas jamais se tornando uma Salina ou uma Usina de luz cristã, a serem visitadas pelos curiosos.

O reino é como o fermento escondido... até que pervade toda a massa da humanidade... sem ninguém saber como... e sem que ninguém possa dar glória a mais ninguém, se não ao Pai que está nos céus.

Aliás, a proposta de Jesus é tão extraordinária, que a vontade de aparecer não pode resisti-la. O sal, por exemplo, foi usado por Jesus como metáfora desse ‘desaparecimento’ da igreja na terra. Tudo ao que Ele associa a metáfora do sal é ao sabor, e nada mais. O sal tem que ter sabor, se não já não presta para nada. E para que o sal salgue e dê sabor, de fato, ele tem que se dissolver nos elementos que recebem o seu benefício. O sal só salga quando morre como sal visível e se torna apenas gosto, presença, tempero, realidade e benefício, embora ninguém possa dizer onde ele está, podendo apenas dizer: ele está na panela. Mas onde?

Já a Luz do mundo — vós sois! —, deveria ser a ação contínua da bondade e da misericórdia, de modo discreto, porém pleno de efetividade; de tal modo que os “de fora”, que ao receberem os benefícios da luz, podem discerni-la como boas obras, e assim, eles mesmos, agradeçam a Deus pelos filhos da misericórdia que Ele espalhou pela terra.

O que Jesus propõe como simplicidade total, entretanto, logo deu lugar às complexidades regimentais e aos centros de poder. Mesmo dizendo “tal não é entre vós”— referindo ao poder de governar dos reis e autoridades —, o que se criou desde bem logo foi aquilo que era comum, não o que era completamente incomum.

Na realidade, quem entendeu o Evangelho e seu significado, sabe que o Cristianismo se tornou uma perversão da proposta de Cristo, transformando o Evangelho puro e simples numa religião, com Dogmas, doutrinas, usos, costumes, tradições com poder de imutabilidade e muita barganha com os homens, em franca e pagã manipulação do nome de Deus.

No Cristianismo, Deus tem Seus representantes fixos e certos na terra—o clero, seja ele Católico ou Protestante—, tem Suas doutrinas e Dogmas escritos por concílios de homens patrocinados por reis, e tem na sabedoria deste mundo seu instrumento de elaboração de Deus: a teologia.

Desse modo, no Cristianismo, “Deus” não passa de uma ‘potestade religiosa’ e de um poder mantido pelos homens, posto que se crê que sem o Cristianismo, Deus está perdido no mundo.

O mundo conheceu o Cristianismo, mas não teve muita chance de conhecer o Evangelho, conforme Jesus e segundo as dinâmicas livres e libertadoras do caminho, de acordo com as narrativas dos evangelhos, nas quais o único convite que existe é para se “seguir” a Jesus.



Nenhum comentário: