Luiz Carlos Merten
Paul Haggis, de 54 anos, inscreveu seu nome na história do Oscar como o primeiro autor de roteiros de dois vencedores consecutivos da Academia de Hollywood. Em 2005, o filme vitorioso foi Menina de Ouro, que ele escreveu para Clint Eastwood e, no ano seguinte, Haggis ganhou os Oscars de melhor filme e roteiro por Crash - No Limite, que ele próprio dirigiu. Você pode estar certo de que Haggis estará de volta no Oscar de 2008, para os melhores do cinema norte-americano neste ano. Se não for indicado, de novo, nas categorias de filme e roteiro, por No Vale das Sombras, ele dificilmente deixará de ver seu elenco indicado para os prêmios de interpretação - Tommy Lee Jones e Charlize Theron para melhor ator e atriz, Susan Sarandon para melhor coadjuvante.
Veja trailer do filme No Vale das Sombras
O filme é mais um na recente safra de produções de Hollywood que abordam a Guerra do Iraque. Soma-se a, entre outros, Leões e Cordeiros, de Robert Redford, e O Reino, de Peter Berg, em cartaz nos cinemas, e a Redacted, de Brian De Palma, exibido na Mostra. No Vale das Sombras tem um pouco das qualidades, e dos defeitos, de cada um deles. Como Leões e Cordeiros e Redacted, não deixa de discutir a manipulação da opinião pública pelas imagens (e informações) divulgadas na mídia. Há sempre uma TV de fundo, ou um rádio no carro, passando informações que dão uma outra dimensão à tragédia que está sendo vivida pelo personagem de Tommy Lee Jones. E, ao contrário de O Reino, que transforma discussão sobre responsabilidade em ação, Haggis investe no drama humano, nas relações.
No Vale das Sombras conta a história desse pai que busca o filho desaparecido. Só para pegar um exemplo, Costa-Gavras, em Missing - O Desaparecido, já mostrou outro pai que procurava o filho desaparecido durante a golpe militar no Chile, descobrindo não propriamente o envolvimento norte-americano no golpe - o que seria velho em 1980, quando foi feito -, mas a falência da Justiça dos EUA, que não dava acolhida às suas denúncias. Tommy Lee Jones faz agora esse veterano do Vietnã que acorda para um pesadelo. Uma manhã, ele recebe um telefonema informando que seu filho desapareceu nos EUA. Como, ele pergunta, se o rapaz está combatendo no Iraque? Hank Deerfield (é seu nome) recebe a informação de que o filho regressou à pátria, mas não voltou de uma folga. A progressão das investigações revela que o filho foi morto, e esquartejado, tendo os restos queimados. Por que tanto barbarismo? Deerfield tromba com o silêncio das autoridades. Ganha apoio somente da policial Charlize Theron, mas ela, como mulher, também é marginalizada nesse universo masculino e é graças a ele (e à sua experiência) que consegue avançar no sinuoso território das investigações.
A história foi sugerida ao diretor por um relato que ele leu na revista Playboy, Morte e Desonra. Haggis levou um ano e meio até concluir o roteiro. Inicialmente, ele queria que Clint Eastwood fizesse o papel do pai. Clint teria trazido o pathos de sua persona para o papel, mas dificilmente conseguiria fazer um trabalho tão intenso quanto o de Tommy Lee Jones. Não apenas ele. Susan Sarandon tem cinco minutos memoráveis, quando o marido lhe anuncia a morte do filho ao telefone e ela se desespera. Outro filho do casal já morrera em outra guerra. Agora, o segundo. 'Por que você não me deixou um dos meninos?', ela grita.
Pois o tema de No Vale das Sombras é um pouco este - a responsabilidade da classe média norte-americana, da maioria silenciosa que, com seu patriotismo, deu apoio a George W. Bush para a escalada no Afeganistão e no Iraque, no qual os EUA estão hoje tão atolados como estiveram no Vietnã, nos anos 60/70. Não é mera coincidência que Deerfield tenha lutado naquela guerra e seu filho tenha sido traumatizado no Iraque. A vontade de falar sobre pai e filho pode ter respaldo na própria dinastia Bush, já que Bush filho voltou ao Iraque onde seu pai já fizera outra guerra, no começo dos anos 90. O drama de consciência de Deerfield é a descoberta, que ele faz, de que seu filho lhe pediu socorro, e ele negou, imbuído de uma concepção patriótica que se traduz na metáfora da bandeira. Ela adquire diferentes significados pela sua simples posição no mastro. Pode revelar um pedido de socorro ou simplesmente, em frangalhos, como no desfecho, virar a expressão de um país em crise de identidade e de valores.
Há outra metáfora, e ela está no próprio título. No Vale das Sombras chama-se, no original, In the Valley of Elah. A referência é bíblica, pois foi em Elah que o pequeno Davi derrotou o gigante Golias, uma história que Tommy Lee Jones conta ao filho da personagem de Charlize, muito provavelmente como contava ao próprio filho, para incentivá-lo a superar seus medos. É nesses toques delicados, e intimistas, que Paul Haggis consegue passar o que seu filme tem de mais interessante. O patriotismo é, ao mesmo tempo, signo de grandeza e miséria dos EUA - esse país que se auto-intitula, sozinho, 'América'. Às vezes, uma grande noção - como o individualismo -, o patriotismo também é, como lembrava Stanley Kubrick em Glória Feita de Sangue, o derradeiro refúgio dos canalhas. A velha bandeira dos heróis está rota.
Em relativamente pouco tempo, Paul Haggis tornou-se um nome importante do cinema de Hollywood. Em 2000, já conhecido por sua atividade como roteirista de TV, adquiriu os direitos para contar a história de Million Dollar Baby, que virou Menina de Ouro no Brasil. Ele próprio queria dirigir o filme, mas terminou aceitando que Clint Eastwood o dirigisse. Crash provocou polêmica por sua abordagem da violência urbana. Embora vencedor do Oscar principal, não era um grande filme. No Vale das Sombras é mais denso e triste. Um filme sobre perdas. Paul Haggis capta a brutalidade da 'América' num cabaré onde dançarinas fazem strip-tease. A cena mais dolorosa não é a da mãe que chora a perda do filho. É a do soldado que diz que, no Iraque, só pensava em voltar para casa e, em casa, neste país que, de alguma forma se perdeu, só deseja voltar ao Iraque, mesmo que seja para a morte em combate.
Serviço
No Vale das Sombras (In The Valley of Elah, EUA/2007, 121 min.) - Drama. Dir. Paul Haggis. 14 anos. Cotação: Bom
do Site:
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